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quarta-feira, 4 de novembro de 2009

VIVER [ser avô]








Toda a beleza da vida está em vivê-la intensamente em cada etapa e reconhecer em todas elas suficientes méritos para justificar as seguintes.
Fui pai e amei meus filhos como sucessores dos momentos felizes em que gozamos a convivência amena ou agitada, sempre criativa, de sua infância e adolescência. Tornei-me amigo de meus filhos ao sentí-los adultos e responsáveis.
As vicissitudes e dificuldades tornam-se passageiras e esquecidas na grandeza do tempo. Os que tiveram trajetos interrompidos acreditarão em desígnios divinos e na relatividade de tudo.
A felicidade não é um todo contínuo, mas um somatório de momentos. Olhando o passado ao abeirar-me dos setenta anos o sonho será metáfora da vida:
Quem sou eu?
Flavio Miragaia Perri
Acordei com a tardia sensação do tempo e assim escrevo antes de deixar a cena.
MELODIA DE OUTONO

essa música que chamei poesia
tão suave no fim do dia
é o que me resta desse longo vôo

na distante verdade do passado
sou grato de haver sido poupado
de momentos de melancolia

deixo três ou quatro sílabas
alinhadas em palavras
colhidas como folhas caídas
nesse outono quase findo

entre o sonho e o sono
sobrevôo o sensível
do que ainda são folhas
apenas orvalhadas

há uma estranha alegria
em sabê-las úmidas
tomem-nas como ousadia
não as queria perder
são a minha poesia

MICKEY MOUSE

...do que vive o poema?
dos sonhos responderei
do sonho que há no sonho
do que não vejo
quintessência do que não sei

sonho tudo que sou
o que fui
o que não fui
sonho o que não posso esquecer

o poema como o sonho
inebria como jasmim


[hoje o sonho brilhou nos olhos de minha neta
três anos
sonhando seu mundo feliz]

[Disney Land, outubro de 2009]

Vivo o sonho de viver ao receber nos braços meus netos e dedicar-lhes afeto no ensinamento de seus passos, amor na alegria de suas descobertas.
Há beleza em ensinar-lhes o que o tempo nos concedeu, avós. Há beleza em cada aprendizado: uma palavra, um gesto de carinho, um beijo não pedido. Há beleza na floração de seus comportamentos, nos frutos do que lhes oferecem os pais, meus filhos.
“A thing of beauty is a joy forever” [repito Keats].
Receber o dom de acariciar os netos é alegria que é beleza e justifica a vida.
Meus netos serão a marca de minha continuidade no tempo. O que recebi de meus filhos repetir-se-á ad infinitum na sucessão das gerações e, enquanto durar a memória do passado, os exemplos de amor serão seguidos na união entre pais, filhos e netos.
Nesse sentido, nossos netos olharão o passado e recordar-se-ão dos avós como quem lhes deu amor e só isso importa para tornar a vida uma alegria para sempre [“a joy forever”].
Sim, isso vale a pena!

novembro de 2009


[texto de um e-mail a minha cunhada Edilza
diante de um texto enviado por e-mail sob o título "Ser avô"]

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

UMA REFLEXÃO SEM AUTORIA





Encontrei nos desvãos da NET uma reflexão verdadeira sem autoria conhecida cujo texto aperfeiçoei, simplifiquei e completei. Publico-o:


UMA REFLEXÃO SEM AUTORIA [em texto aperfeiçoado]



Tenho mais passado do que futuro.
Falta-me tempo para entender ações sem direção, afirmações vazias, promessas sem fundamento, mediocridades. Não valorizo ocasiões de promoção de egos; inquieto-me com a inveja; desqualifico a demagogia.
Já não compreendo a ambição sem limites, na destruição de valores, na falta de ética, no exercício do puro impudor pessoal.
Falta-me tempo para conversas intermináveis e inconclusivas sobre assuntos prementes.
Não me cabe entender preconceitos sobre comportamentos, opções de terceiros, vidas alheias. Já não tenho tempo para administrar melindres. Não sobra tempo para acareação de desafetos.

Lembro-me de Mário de Andrade:

“As pessoas não debatem conteúdos, apenas rótulos”.

Meu tempo tornou-se escasso para rotulações.

Minha alma tem pressa de partir...
Talvez a ânsia seja viver com gente que conheça o valor de ser humano; que saiba avaliar a relatividade de tudo, que conheça o alcance de seus trunfos; que memorize seus triunfos e os guarde para si; que saiba rir de seus tropeços; que entenda o sentido de Justiça; que respeite a Liberdade; que conviva em igualdade; que proteja o Bem Comum e que o faça prevalecer sobre desejos subalternos.
Encanta-me entretanto a objetividade da juventude; estimula-me sua propensão a alimentar sonhos; acredito em sua capacidade de realizar o que minha geração deixou de fazer em seu tempo.
Será perfeito quando quem assim viva promova a preservação do planeta e de suas riquezas em benefício das gerações futuras.
O mundo tem ânsia de conhecer gente que perceba a finitude e não fuja de sua mortalidade.”


Miami, 21 de outubro de 2009.





segunda-feira, 5 de outubro de 2009

NOTAS DE VIAGEM II





FLORENÇA E A POESIA


Poesia é como o beijo
tudo aquilo que dos labios se deseja
[eu mesmo]


Não estou seguro de ser poeta, mas por alguma razão superior à própria razão escrevo o que tentativamente denominei poesia. Se me perguntam por que escolhi esse caminho, direi obviamente que não sei,mas talvez a busca da explicação leve-me à enorme preguiça de ser racional e logico naquilo que escrevo.

Houve a intervençao do sonho de que jamais me libertei mesmo nos peri’odos mais agitados de minha vida. Mas nao farei aqui como os franceses a falar de mim para explicar o que nao me pertence.

A metáfora ajuda-me a superar essa deficiência e a linguagem poética traz consigo um elemento de intuição que a lógica da prosa mal permite.

Difícil será entretanto definir poesia, o que não sei fazer exceto pela negativa: poesia não é prosa.

Sei que o som e o ritmo constituem elementos dela, mas se me restringisse a essas duas referências a confusão com a música impediria a precisão. Há entretanto pontos de identidade e convergência, quando música e poesia se comparam: ambas as criações buscam estimular a emoção e talvez só um musicista/compositor saiba dizer onde se encontra [em que melodia, em que acorde, em que harmonia?] o estímulo a traduzir-se em emoção. Muito depende do executante, de sua leitura dos símbolos musicais registrados no pentagrama e de suas almas.

Saberá o poeta trabalhar paralelamente a emoção ou também ele depende de seu intérprete?

Certamente sim, ambas as hipóteses são verdadeiras, pois palavras constituem sons e sua combinação na frase estabelece se não a melodia um solfejo, que entretanto não será jamais apenas literal, mas espiritual. Há uma percepção extra-sensorial no que o poema de versos livres deixa entrever para o entendimento e a sensibilidade do leitor. No poema escandido em rítmo pré-determinado, em sílabas e rimas, a musicalidade é mais evidente, mas tampouco resume o que escreve o autor.

Há um sopro externo, algo que alguns privilegiados buscarão entender misticamente e que a experiência vivida de cada leitor transfigurará talvez em percepção e sentimento.

Volto à negativa para afirmar que poesia não é música.

Há poesia em prosa, mas discuto que possamos encontrar prosa em poesia. O tom poético não admite intervenções práticas da razão objetiva e predomina o laço inconsútil com o sonho. Terá sido Borges quem recorda o filósofo chinês que sonhou ser uma borboleta e, desperto, não sabia dizer se sonhara ser uma borboleta ou se era a borboleta que sonhava ser um homem…

Inspirado em Borges, esse grande escritor argentino de precisões inglesas, direi que não tenho uma definição para o que seja o poema, mas sei reconhecê-lo à primeira vista, como nesse decassílabo do “Cancioneiro” de Fernando Pessoa que inclui os elementos mencionados, todos: o ritmo, a rima e o dom quase filosófico da poesia

“O sono – oh ilusão – o sono? Quem
Logrará esse vacuo ao qual aspira
A alma que de aspirar em vão delira
E já nem força para querer tem?”

O mesmo Poeta, sob o personagem Alberto Caieiro, dá-nos o exemplo seguinte da pura reflexão poética:

“E não estou alegre nem triste.
Esse é o destino dos versos.
Escrevi-os e devo mostrá-los a todos
Porque não posso fazer o contrário
Como a flor não pode esconder a cor, […]"

Diante do poema quedo-me perplexo porque nele encontro a mesma beleza que Florença me transmite. Pátria de Dante, aqui desabroxou a lingua italiana em terra Toscana, aqui Beatriz fez-se musa, aqui os reflexos metafísicos, talvez místicos e religiosos, tornaram-se guia para a obra definitiva de Dante. A Divina Comédia magistralmente todos inclui dos elementos que busquei para definir o poema. Estive lá ontem, na Casa de Dante, e não pude esconder minha emoção ao sentir-me parte desse estupendo sonho de viver.

E, por falar em poesia, porque não terminar com Petrarca e uma pálida reflexão minha sobre a vida?


GIOCOFORZA
"O faticosa vita, o dolce errore,che mi fate ir cercando piagge et monti!"
[Petrarca]
Oh! Vida tão inutilmente perdida,que nos condena a vê-la repetida e inapelavelmente desaparecer!
[Perri]
Florença, outubro de 2009.

domingo, 4 de outubro de 2009

NOTAS DE VIAGEM

FIRENZE
[anotações de viagem]



“A thing of beauty is a joy forever” [Keats]

Sempre desacreditei da compartimentalização da arte em períodos e nesse descrédito recordo-me de Dona Horizontina, minha severa e exata professora da língua portuguesa a corrigir-me por ignorar [deliberadamente, direi] distinções entre textos barrocos, clàssicos e contemporâneos, para ressaltar a beleza que neles conseguia encontrar. Tampouco era dado a confrontar passagens do poema com períodos inteiros na prosa que nos era apresentada para leitura obrigatória. Sentia-lhes a beleza.

Para o jovem aluno do curso “clássico” daquela época, importava mais a identificação do belo que sua classificação em estilos distribuídos por períodos.
Irredento e rebelde, preferia contemplar a criação ela própria, desobrigado das descrições escritas que lhe desmereciam o impacto. Jamais concordei em descrever paisagens de Renoir ou quadro de Rafaello Sanzio. Tomei notas baixas por me recusar ao papel indigno de mediocrizar gênios.

Nunca interpretei Pessoa nem muito menos reescrevi Machado tampouco aceitei discutir o casual das discussões de Quixote e seu fiel escudeiro Sancho Pança.
Entendi o personagem que existiu em Pessoa e em todos os seus heterônimos, Caieiro ou Ricardo Reis ou Álvaro de Campos, para viver suas reflexoes com a intensidade de

“Quem me roubou a minha dor antiga, /e só a vida me deixou por dor?...”

ou

“…ver portos misteriosos sobre a solidão do mar […] a dolorosa instabilidade e incompreensibilidade/ deste impossível universo/ a cada hora maritima mais na própria pele sentido!/ …”

Sei quem são pelos seus textos.

Do mestre a quem devemos a consolidação da lingua portuguesa no Brasil, Machado, ficou-me Capitú e Quincas Borba, muito menos Machado-pessoa do que Álvaro de Campos ou Caieiro, personagens. Cresceram-me no tempo Quixote e Sancho, personagens, deixou-me Cervantes ou até mesmo o muitas vezes pícaro diálogo entre os dois, que é a obra.

A arte é o que é, criação do artista, intemporal e presente na percepção de quem a aprecia.

Keats e a eternidade de Florença dizem-me que a beleza é intemporal e está presente no ano da Graça de 2009, outubro. Seus personagens, criadores e incriados, ultrapassaram o mito, tornaram-se parte, inspiraçao e idéia, no imaginário dos homens de todas as épocas. Representam tanto o homem e sua capacidade criativa quanto a independente beleza.

Florença é meu pouso obrigatorio na Itália, desde que pela primeira vez a visitei, em 1972. A cada época, um novo encantamento: apaixonaram-me a altivez educada da gente nas ruas e a nobreza das ruelas desta cidade recriada sob o David mítico, o herói jovem, agente da Justiça e da liberdade, valores que a República florentina desejou representar contra a força bruta e a tirania de seus adversarios.

Os beirais longos dos “pallazzi”, cada “loggia” das muitas que arquitetos alocaram em andares altos e múltiplas esquinas aligeiram o peso do granito em construções mais antigas. Janelas decoradas no gosto neoclássico equilibradamente distribuídas em fachadas oferecem a visão de afrescos decorando tetos e paredes visíveis.

O encantamento [e porque não a vaidade?] da arte domina a cidade.
Seu poder financeiro expressou-se durante os séculos da virada entre a Idade Média e o que se denominou Renascimento, para a maior grandeza dos Medici de portentosa força abrangentemente criativa. Bancos, letras promissórias, o uso do garfo e faca combinados, as venezianas largas assim impropriamente chamadas, armas e vestimentas que sofisticaram a vida moderna enaltecem Florença
.
Redescubro com prazer renovado a riqueza do acervo dos “uffizi” substancialmente centrado no “Cinquecento” classico, em coleção de obras de Fillipo Lippi, Rafaello, Michelangelo, Tiziano, compondo um conjunto homogêneo onde aparecem Dürer e os alemães atraídos pelo mecenato que estabeleceu o centro artistico e cultural de Florença.

A Galleria dell’Accademia é Michelangelo e a força expressiva de pedras, mármore de onde retira homens magníficos como se da materia bruta retirasse a alma, repetindo o dualismo quase religioso de mecenas vinculados à Igreja vaticana com sede em Roma.

Há nobreza sobranceira na história e na atitude florentina.
Retorno ao princípio deste texto, para não repetir análises da intemporalidade da arte que tomou conta deste pedaço da peninsula italiana em algum “momento” na transição dos “400”para os "500” e de onde resultou o nosso mundo. Basta constatar que nestes dias felizes ignorei períodos arbitrários da historia da arte para vivê-los todos intensamente, juntos e simultâneos.

Percorri atento alentada exposição do “Settecento” barroco, maneirista, arcádico em suas múltiplas expressões da vida mundana da corte florentina e seus seguidores menores. Vi beleza sempre, mesmo na recriação e no excesso, em cera, em cerâmica,bronze ou porcelana caprichosamente trabalhada pelos “Ginori” de todos os aparelhos de jantar e de vulgares mictórios ainda frequentados em banheiros italianos.

Nas ruas a “folla” de turistas maltrata valores e destrói tradições, mas a vaidade florentina é capaz de reviver, na cozinha, receitas de um tempo remoto de fasto e bom gosto no “Cibreo” detras de Santa Croce. Deliciei-me com um extraordinário “cervello en cartoccio” no sabor delicado da quase “mousse” que a inteligência de um “cuoco” genial soube recriar de neurônios sem sinapses da massa cinzenta de um desprevenido “agnello” de remota lembrança.

Florença, outubro de 2009

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

PEQUENOS DRAMAS [NET]




NET


Os trechos de conversas extraídas da NET são testemunhos da solidão. Poucas vezes uma descoberta, mas apenas a busca de alguém para dialogar. A conversa em salas de “chat” revela o jovem atual dialogando com o vazio, sem respostas.


Londres, janeiro de 2008


Momentos ilhéus




Saudade [1]

ando cansado cara
tô com saudade de casa
e porque não volta?
nem pensar
lá tenho minha mulher

Saudade [2]

tenho saudade da Francisca
daquela trubufú?
é
não sei como
feia com a necessidade
é
fica até mal pra você
é
mas você já dormiu com ela?

Bigode

outro dia encontrei a Eralda
e daí como ela tava?
de verde
não foi isso que perguntei
que foi então?
ela tinha raspado o bigode?

Londres, janeiro de 2008.



Mulher [1]

que sacanagem cara
voce bate em mulher?
bato
e a sua não reclama?
ela gosta

Mulher [2]

ih rapaz minha mulher diz que vem de Minas
que bom pra você
bom nada
vou ter de mudar de casa
por que?
tô comendo a vizinha de quarto

Mulher [3]

ela não é casada?
é e daí?
eu também sou

Mulher [4]

sabe aquela goianinha?
qual?
aquela cleaner
sim a do escritório
ela mesma
pois é

tá dando pro inglês
como soube?
ela me contou
então é falso
mulher não conta isso assim fácil
é
mas não foi facinho não
tive de comer ela três vezes
mentira sua
por que mentira?
ela me disse que você morre na primeira


Londres, janeiro de 2008.

Profissão

Deus é bom
nunca me deixou com fome
não
não me deu filhos
aliás
deu dois
mas ficaram com mamãe
senão como vou ganhar a vida?
mas o que faz?
sou acompanhante
e acompanha quem?
quem precisa
pessoas doentes?
nem sempre
velhos crianças?
crianças nunca
homens e mulheres?
só homens
por que essa discriminação
ora
você parece ingênuo
por que?
porque não compreende
o que?
cara
sou puta

Matemática

você estudou?
sim
que curso fez?
matemática
ops
inteligente
e trabalhou nisso?
nunca
por que?
porque não dava conta

Homem

e ele é bom pra você?
muito
e do que se queixa?
falta de sexo
e porque falta?
ele gosta de homem

Desistência

sabe eu desisti
mas você é jovem ainda
sou mas não sou bobo de insistir
no que?
em continuar nesta vida
mas você pareceu sempre feliz
e sua família que acha?
minha família não sabe de nada
mas afinal
você não me disse
o que faz na vida?
sou escorte

Londres, janeiro de 2008.


Desespero

socorro!
vem alguém aqui por favor
onde?
no meu apartamento

endereço
Queens Way
socorro!
o que está acontecendo com você homem de Deus?
passei a gilete nos pulsos

sai sangue e dói!
mas vc não queria morrer?
queria mas dói muito


Emprego

me arranja um emprego?
mas você não tem?
tenho

mas a polícia anda dando em cima

Inglesa

sabe arranjei uma inglesa
pô cara legal
e trepa?
não
e então
então levo ela passear no parque
legal cara
depois trago pra casa
e daí?
ela faz um boquete
boquete?
sim
e não trepa?
não
por que?
ela tem 88 anos

Londres, janeiro de 2008.

eu sempre quis ter um namorado firme
então
sério
então
carinhoso
então
você é assim?
não

Namorado [2]

lá em Minas eu era noiva
e o deixou?
sim
por que?
porque ele não era homem

Namorado [3]

vem cá
você está bem de vida?
estou
manda dinheiro pra casa?
mando
tá legal?
tenho passaporte português
não é falso?
não é do bom
então
então o que?
estou apaixonada por você

namorado [4]

eu te amo
eu também
não sei não
porque essa desconfiança?
porque não te conheço

namorado [5]

que procura?
eu?

sim
nada
como nada?

explica
sou tímida
deixa de ser boba fala
alguém
pra que?
pra me fazer companhia

namorado [6]

você é maneiro
legal
o que procura?
nada especial
qualquer um?
sim
pra que?
prum chopp
só?
sim
topa fazer um programinha depois?

Londres, janeiro de 2008.

Amor [1]

pouco importa querida
a esperança é substantivo abstrato
é
existe porque você tem consciência
você é tão inteligente
estudou muito né?
sou filósofo
caramba
e o que curte?
trepar querida trepar

Amor [2]

por que julgas que amas?
sofro

Amor [3]

sou gatinha
deito enroladinha no seu colinho
quer?
não
quero um cachorrão

Amor [4]

ah agora mais essa cara
não sou consultor sentimental
mas estou super afim de chupar um cacete

Amor [5]

o que você faz aqui?
trabalho e estudo
fazia o mesmo no Brasil?
pior
parabéns que fazia lá?
era michê
e aqui?
sou travesti

Amor [6]

pensas que podes tudo?
bobagem
toma coragem fala
pra que se depois tu me deixa
eu te amo

vou descobrir quem você é
não pode vou desconetar


Olheiro

cara
a parada eh o seguinte
sim
olharaum e gostaraum
e vão contratar você?
estou esperando um empresário inglês

você é artista?
naum jogador de futebol

o velho tá falando com a FIFA
velho?
sim
quem?
um cara que me viu jogar
em que time jogava?
pelada de rua
e ele prometeu alguma coisa?
convidou pra eu vir pra Londres
e o que disse?
que tenho físico atlético

que sou craque pra time europeu
então é um técnico
quem?

quem convidou
naum
ele é olheiro de rua

Londres, janeiro de 2008
Emprego

viu
arranjei um emprego
que bom
que vai fazer?
trabalhar

Paixão

tô apaixonado
brasileira?
não
inglês

Sociólogo

eu odeio o mundo
por que?
sou sociólogo

Desenlace

cara tô na pior
a Scotland Yard quer-me prender
qual foi o crime?
estou ilegal
logo agora que encontrei um inglês
velho rico e viado
pra me sustentar

Opção

saí de lá porque não me compreendiam
Uma noite
você sabe
procuro alguém que me faça feliz
nem que seja por uma noite
conta
já teve?
sim
e o que fizeram?
trepamos

Vida ganha

vim para tentar a vida
e como vai indo?
vou tentando

Latrina

e você que faz?
tô lavando latrina pra inglês

Namorado

eu tenho namorado
não importa
podemos nos ver
mas ele é ciumento
brasileiro?
não inglês
como é seu nome?
José Carlos

Metrô

Ah que sonho
aí deve ser ótimo
é
que faz todos os dias?
tomo o metrô

Chat inglês

meu tempo tá acabando
foi bom falar com você
obrigado
eu aprendi muito com sua experiência
advogado bom de papo
que vai fazer agora?
vou lavar copos num bar

Trabalho

que faz?
trabalho

Louca

sabe estou ficando louca
ora você é muito inteligente
deve agir com calma
está só com saudades
não é isso não
estou louca mesmo

Louco

tô doente
o que sente?
porra você não compreende
fale sem excitação
estou louco

Vida nova

vou ouvir você
tá bem você parece um homem legal
tem educação
à noite não durmo
de dia não tomo banho
sinto meu cheiro
não gosto das minhas mãos
sou um lixo
você não quer vir-me buscar?
.
Londres, janeiro de 2008

Comunicação

falar inglês é muito chato
só eles entendem

Certinho

aqui é tudo certinho
basta atravessar a rua com cuidado
olhar sempre pro lado errado

Realidade

acho que estou começando a me cansar de Londres
porque?
nada é real
é tudo em libras

Respeito

meu patrão é ótimo
logo que me contratou passou a mão nas minhas pernas
e vc?
eu reclamei
e ele?
Infelizmente nunca mais tentou

Patrões


e você se dá bem com seus patrões
sim
eles conversam com você?
perguntam do Brasil da sua família?
não
mas então de que conversam?
“good morning” quando eu chego
e?
“Goodbye”

Londres, janeiro de 2008.