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quarta-feira, 21 de outubro de 2009

UMA REFLEXÃO SEM AUTORIA





Encontrei nos desvãos da NET uma reflexão verdadeira sem autoria conhecida cujo texto aperfeiçoei, simplifiquei e completei. Publico-o:


UMA REFLEXÃO SEM AUTORIA [em texto aperfeiçoado]



Tenho mais passado do que futuro.
Falta-me tempo para entender ações sem direção, afirmações vazias, promessas sem fundamento, mediocridades. Não valorizo ocasiões de promoção de egos; inquieto-me com a inveja; desqualifico a demagogia.
Já não compreendo a ambição sem limites, na destruição de valores, na falta de ética, no exercício do puro impudor pessoal.
Falta-me tempo para conversas intermináveis e inconclusivas sobre assuntos prementes.
Não me cabe entender preconceitos sobre comportamentos, opções de terceiros, vidas alheias. Já não tenho tempo para administrar melindres. Não sobra tempo para acareação de desafetos.

Lembro-me de Mário de Andrade:

“As pessoas não debatem conteúdos, apenas rótulos”.

Meu tempo tornou-se escasso para rotulações.

Minha alma tem pressa de partir...
Talvez a ânsia seja viver com gente que conheça o valor de ser humano; que saiba avaliar a relatividade de tudo, que conheça o alcance de seus trunfos; que memorize seus triunfos e os guarde para si; que saiba rir de seus tropeços; que entenda o sentido de Justiça; que respeite a Liberdade; que conviva em igualdade; que proteja o Bem Comum e que o faça prevalecer sobre desejos subalternos.
Encanta-me entretanto a objetividade da juventude; estimula-me sua propensão a alimentar sonhos; acredito em sua capacidade de realizar o que minha geração deixou de fazer em seu tempo.
Será perfeito quando quem assim viva promova a preservação do planeta e de suas riquezas em benefício das gerações futuras.
O mundo tem ânsia de conhecer gente que perceba a finitude e não fuja de sua mortalidade.”


Miami, 21 de outubro de 2009.





segunda-feira, 5 de outubro de 2009

NOTAS DE VIAGEM II





FLORENÇA E A POESIA


Poesia é como o beijo
tudo aquilo que dos labios se deseja
[eu mesmo]


Não estou seguro de ser poeta, mas por alguma razão superior à própria razão escrevo o que tentativamente denominei poesia. Se me perguntam por que escolhi esse caminho, direi obviamente que não sei,mas talvez a busca da explicação leve-me à enorme preguiça de ser racional e logico naquilo que escrevo.

Houve a intervençao do sonho de que jamais me libertei mesmo nos peri’odos mais agitados de minha vida. Mas nao farei aqui como os franceses a falar de mim para explicar o que nao me pertence.

A metáfora ajuda-me a superar essa deficiência e a linguagem poética traz consigo um elemento de intuição que a lógica da prosa mal permite.

Difícil será entretanto definir poesia, o que não sei fazer exceto pela negativa: poesia não é prosa.

Sei que o som e o ritmo constituem elementos dela, mas se me restringisse a essas duas referências a confusão com a música impediria a precisão. Há entretanto pontos de identidade e convergência, quando música e poesia se comparam: ambas as criações buscam estimular a emoção e talvez só um musicista/compositor saiba dizer onde se encontra [em que melodia, em que acorde, em que harmonia?] o estímulo a traduzir-se em emoção. Muito depende do executante, de sua leitura dos símbolos musicais registrados no pentagrama e de suas almas.

Saberá o poeta trabalhar paralelamente a emoção ou também ele depende de seu intérprete?

Certamente sim, ambas as hipóteses são verdadeiras, pois palavras constituem sons e sua combinação na frase estabelece se não a melodia um solfejo, que entretanto não será jamais apenas literal, mas espiritual. Há uma percepção extra-sensorial no que o poema de versos livres deixa entrever para o entendimento e a sensibilidade do leitor. No poema escandido em rítmo pré-determinado, em sílabas e rimas, a musicalidade é mais evidente, mas tampouco resume o que escreve o autor.

Há um sopro externo, algo que alguns privilegiados buscarão entender misticamente e que a experiência vivida de cada leitor transfigurará talvez em percepção e sentimento.

Volto à negativa para afirmar que poesia não é música.

Há poesia em prosa, mas discuto que possamos encontrar prosa em poesia. O tom poético não admite intervenções práticas da razão objetiva e predomina o laço inconsútil com o sonho. Terá sido Borges quem recorda o filósofo chinês que sonhou ser uma borboleta e, desperto, não sabia dizer se sonhara ser uma borboleta ou se era a borboleta que sonhava ser um homem…

Inspirado em Borges, esse grande escritor argentino de precisões inglesas, direi que não tenho uma definição para o que seja o poema, mas sei reconhecê-lo à primeira vista, como nesse decassílabo do “Cancioneiro” de Fernando Pessoa que inclui os elementos mencionados, todos: o ritmo, a rima e o dom quase filosófico da poesia

“O sono – oh ilusão – o sono? Quem
Logrará esse vacuo ao qual aspira
A alma que de aspirar em vão delira
E já nem força para querer tem?”

O mesmo Poeta, sob o personagem Alberto Caieiro, dá-nos o exemplo seguinte da pura reflexão poética:

“E não estou alegre nem triste.
Esse é o destino dos versos.
Escrevi-os e devo mostrá-los a todos
Porque não posso fazer o contrário
Como a flor não pode esconder a cor, […]"

Diante do poema quedo-me perplexo porque nele encontro a mesma beleza que Florença me transmite. Pátria de Dante, aqui desabroxou a lingua italiana em terra Toscana, aqui Beatriz fez-se musa, aqui os reflexos metafísicos, talvez místicos e religiosos, tornaram-se guia para a obra definitiva de Dante. A Divina Comédia magistralmente todos inclui dos elementos que busquei para definir o poema. Estive lá ontem, na Casa de Dante, e não pude esconder minha emoção ao sentir-me parte desse estupendo sonho de viver.

E, por falar em poesia, porque não terminar com Petrarca e uma pálida reflexão minha sobre a vida?


GIOCOFORZA
"O faticosa vita, o dolce errore,che mi fate ir cercando piagge et monti!"
[Petrarca]
Oh! Vida tão inutilmente perdida,que nos condena a vê-la repetida e inapelavelmente desaparecer!
[Perri]
Florença, outubro de 2009.

domingo, 4 de outubro de 2009

NOTAS DE VIAGEM

FIRENZE
[anotações de viagem]



“A thing of beauty is a joy forever” [Keats]

Sempre desacreditei da compartimentalização da arte em períodos e nesse descrédito recordo-me de Dona Horizontina, minha severa e exata professora da língua portuguesa a corrigir-me por ignorar [deliberadamente, direi] distinções entre textos barrocos, clàssicos e contemporâneos, para ressaltar a beleza que neles conseguia encontrar. Tampouco era dado a confrontar passagens do poema com períodos inteiros na prosa que nos era apresentada para leitura obrigatória. Sentia-lhes a beleza.

Para o jovem aluno do curso “clássico” daquela época, importava mais a identificação do belo que sua classificação em estilos distribuídos por períodos.
Irredento e rebelde, preferia contemplar a criação ela própria, desobrigado das descrições escritas que lhe desmereciam o impacto. Jamais concordei em descrever paisagens de Renoir ou quadro de Rafaello Sanzio. Tomei notas baixas por me recusar ao papel indigno de mediocrizar gênios.

Nunca interpretei Pessoa nem muito menos reescrevi Machado tampouco aceitei discutir o casual das discussões de Quixote e seu fiel escudeiro Sancho Pança.
Entendi o personagem que existiu em Pessoa e em todos os seus heterônimos, Caieiro ou Ricardo Reis ou Álvaro de Campos, para viver suas reflexoes com a intensidade de

“Quem me roubou a minha dor antiga, /e só a vida me deixou por dor?...”

ou

“…ver portos misteriosos sobre a solidão do mar […] a dolorosa instabilidade e incompreensibilidade/ deste impossível universo/ a cada hora maritima mais na própria pele sentido!/ …”

Sei quem são pelos seus textos.

Do mestre a quem devemos a consolidação da lingua portuguesa no Brasil, Machado, ficou-me Capitú e Quincas Borba, muito menos Machado-pessoa do que Álvaro de Campos ou Caieiro, personagens. Cresceram-me no tempo Quixote e Sancho, personagens, deixou-me Cervantes ou até mesmo o muitas vezes pícaro diálogo entre os dois, que é a obra.

A arte é o que é, criação do artista, intemporal e presente na percepção de quem a aprecia.

Keats e a eternidade de Florença dizem-me que a beleza é intemporal e está presente no ano da Graça de 2009, outubro. Seus personagens, criadores e incriados, ultrapassaram o mito, tornaram-se parte, inspiraçao e idéia, no imaginário dos homens de todas as épocas. Representam tanto o homem e sua capacidade criativa quanto a independente beleza.

Florença é meu pouso obrigatorio na Itália, desde que pela primeira vez a visitei, em 1972. A cada época, um novo encantamento: apaixonaram-me a altivez educada da gente nas ruas e a nobreza das ruelas desta cidade recriada sob o David mítico, o herói jovem, agente da Justiça e da liberdade, valores que a República florentina desejou representar contra a força bruta e a tirania de seus adversarios.

Os beirais longos dos “pallazzi”, cada “loggia” das muitas que arquitetos alocaram em andares altos e múltiplas esquinas aligeiram o peso do granito em construções mais antigas. Janelas decoradas no gosto neoclássico equilibradamente distribuídas em fachadas oferecem a visão de afrescos decorando tetos e paredes visíveis.

O encantamento [e porque não a vaidade?] da arte domina a cidade.
Seu poder financeiro expressou-se durante os séculos da virada entre a Idade Média e o que se denominou Renascimento, para a maior grandeza dos Medici de portentosa força abrangentemente criativa. Bancos, letras promissórias, o uso do garfo e faca combinados, as venezianas largas assim impropriamente chamadas, armas e vestimentas que sofisticaram a vida moderna enaltecem Florença
.
Redescubro com prazer renovado a riqueza do acervo dos “uffizi” substancialmente centrado no “Cinquecento” classico, em coleção de obras de Fillipo Lippi, Rafaello, Michelangelo, Tiziano, compondo um conjunto homogêneo onde aparecem Dürer e os alemães atraídos pelo mecenato que estabeleceu o centro artistico e cultural de Florença.

A Galleria dell’Accademia é Michelangelo e a força expressiva de pedras, mármore de onde retira homens magníficos como se da materia bruta retirasse a alma, repetindo o dualismo quase religioso de mecenas vinculados à Igreja vaticana com sede em Roma.

Há nobreza sobranceira na história e na atitude florentina.
Retorno ao princípio deste texto, para não repetir análises da intemporalidade da arte que tomou conta deste pedaço da peninsula italiana em algum “momento” na transição dos “400”para os "500” e de onde resultou o nosso mundo. Basta constatar que nestes dias felizes ignorei períodos arbitrários da historia da arte para vivê-los todos intensamente, juntos e simultâneos.

Percorri atento alentada exposição do “Settecento” barroco, maneirista, arcádico em suas múltiplas expressões da vida mundana da corte florentina e seus seguidores menores. Vi beleza sempre, mesmo na recriação e no excesso, em cera, em cerâmica,bronze ou porcelana caprichosamente trabalhada pelos “Ginori” de todos os aparelhos de jantar e de vulgares mictórios ainda frequentados em banheiros italianos.

Nas ruas a “folla” de turistas maltrata valores e destrói tradições, mas a vaidade florentina é capaz de reviver, na cozinha, receitas de um tempo remoto de fasto e bom gosto no “Cibreo” detras de Santa Croce. Deliciei-me com um extraordinário “cervello en cartoccio” no sabor delicado da quase “mousse” que a inteligência de um “cuoco” genial soube recriar de neurônios sem sinapses da massa cinzenta de um desprevenido “agnello” de remota lembrança.

Florença, outubro de 2009