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quarta-feira, 21 de abril de 2010

MENSAGEM


sexta-feira, 23 de abril de 2010

MENSAGEM DE UM POETA, Flávio Perri


O Criador preside o Universo, está em todos os seres, vive em todas as coisas, está no meio de nós. A natureza é a morada dos Orixás, cada um na sua medida, cada um e seu poder sobre dia e sobre a noite, em nome da Sabedoria, da Justiça, do Amor Maternal. Os Orixás estão no centro do embate entre o bem e o mal, onde peleja primordialmente Ogum.
Os Orixás são arquetípicos, traços da personalidade única e complexa do Supremo Criador, são eternos como eterno é Deus, sua vida é Vida que ultrapassa o tempo e mantém-se nos sentidos da compreensão humana, na inteligência transformada em consciência.
Cada um, Xangô, Iemanjá, Oxum, está pleno da eternidade sem tempo. São unos no Criador, capaz do mundo, um Deus, só um.
Cada homem, cada mulher, encontra sua estrada, intuição e inspiração onde a direção é conhecida passo a passo, no andar da caminhada. Em cada personalidade, um Orixá. A mensagem vem ao homem em sua trilha do destino, o Orixá faz-se saber. O poder de Deus está presente.
Os Orixás povoam o espaço, o consciente e o inconsciente, estão fora, vivem em nós, como

o vento,
a tempestade,
o raio rompendo a noite,
a água que retempera,
a pedra da firmeza,
o largo oceano,
útero que agasalha,
para lavar nossos erros e fraquezas
no espaço que os difunde
entre acertos e certezas.

Sou poeta de uma profecia,
minha passagem é minha resposta
ao Guia que me saudou para dizer
que em minhas veias corre o sangue
da mensagem viva
do Criador, na compreensão
de homens e mulheres
que vivem em busca de um aceno
da divina presença
e a buscam em plena escuridão.
Essa missão religa-me
a antigos montes sagrados,
benditos montes de onde o Criador
fundiu seu mandato aos homens
em pedra pura,
livrando-nos da servidão.
Escrevo porque me sinto responsável
de falar aos meus irmãos
que tenho forças (ainda) para ajudá-los
e essa é minha missão.
Nova York, maio de 2002.

Texto de:
Flávio Miragaia Perri. "O encanto dos Orixás". Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 2002






quarta-feira, 7 de abril de 2010

FÔLEGO








UM FIM DE SEMANA NA SERRA [de um fôlego]

Os fins de semana na serra eram rotina para fugir do calor do Rio. O frio não era do inverno nas montanhas mas da diferença de altitude permitindo às núvens úmidas circularem pelo longo vale entre montanhas quase pedras sob o sopro da brisa mansa que nos arrepiava à noite como um toque da natureza amena sobre nossas peles saciadas do sol.Tudo levava à descontração e liberdade, com manhãs longas sob cobertas de pluma e os dias a céu aberto sob árvores luxuriantes da Mata Atlântica o sol radiando um calor macio a enfeitar a mata destacando cores entre beijos rasteiros e orquídeas em formas harmoniosas enroscadas nos troncos altos.As conversas ricas entre suposições e conhecimento variavam do local e da hora em que se desenvolviam. Nada pressionava o tempo exceto a luz cambiante que indicava a hora do almoço com o sol a pino e o recolher à casa no lusco-fusco do fim da tarde.O jantar vinha precedido de combinações alcóolicas do puro vinho de sabor doce e suave à boa cachaça transformada em batidas e caipirinhas açucar farto tradicional da cana que nos garantiu um ciclo longo de prosperidade colonial.O uisque e o vodka libavam os poucos sofisticados “estrangeiros” com os mesmos resultados no tagarelar sem fim que se iniciava cedo na noite longa. À mesa tudo misturava tradição e importações culturais entre lombinho carne assada, a farofa de ovos, o arroz soltinho e o inevitável “strogonof”, o salmão na crosta de massa folhada, “pot au vin” alternado com massas ricas em queijo e molhos de manteiga. O bife à milaneza já era um prato nacional entre a tradição e a importação culturais. De novo o vinho meio suco de uva para quem não se importasse ou um chileno honesto para os mais exigentes. O que me recordam essas linhas eram as conversas ilustradas por muita piada de salão jogos de advinhação apostas baratas dos que jogavam cartas e recolhimento de alguns intelectuais que escolhiam os cantos silenciosos para pensar e ler. Não se pensava muito que a divagação espiritual geralmente esbarra no livre pensamento regado a conhaque ou licores locais de jaboticaba goiaba uva ou até de limão numa infusão branda regada a cachaça enriquecida com creme de leite batido e açucar. Aos “estrangeiros” não enganava servido como “limoncello”. Todo pensar não produzia pensamentos de valor real se é que havia valor objetivo neles. O clima depois do jantar era de dúvidas e afirmações. Buscava-se a verdade depois de proposições recheadas de filosofia de botequim. O risco era ilustrar essa verdade com sofismas de formulação discutível e esquecer o problema do significado que transcende o objeto. Era inevitável a discussão da morte e a negação da continuidade da vida passado o extremo. Todos “acreditavam” em Deus criador de todas as coisas mestre do passado do presente e do futuro senhor da vida ministro da morte enquanto alguns demonstravam incredulidade falando do pó que nos tornaríamos ao final da aventura sobre a Terra. Esse umbral sempre separou os crentes dos não-crentes mas ali o sabor da serra e da noite escura permitia suposições e narrativas de fatos extraordinários casos inexplicados.O além inspirava incultas narrativas a assustar o aquém permitindo demonstrações de medo. Uma vez um dos hóspedes tremeu diante da história de um fantasma que circulava pela região e penetrava as casas enquanto todos dormiam para exibir-se. Refugiou-se sob u’a manta de lã dando às mãos ao vizinho mais próximo suando frio enquanto temia.

II

Para surpresa de todos juntou-se ao grupo um amigo que vivia distante e não dera notícia de sua vinda ao Brasil. Chegou assim de improviso à tardinha já quando a noite suplantava o dia e trouxe a alegria de sua presenca tantos anos passados sem dar sinal de vida. Eram conhecidas suas peripécias na Europa por relatos de terceiros e sua vida variada entre a vida quase acadêmica e a boêmia nos bares e restaurantes de Paris . Seu aparecimento foi saudado como boa nova e melhor fato vinha com o anúncio que fez da iminente chegada de outros dois amigos também viajantes inveterados. Enquanto se refaziam do primeiro impacto e da alegria do reencontro os dois anunciados apareceram à porta da sala principal. Era uma porta larga de madeira crua que abria rangendo gonzos e batia no desequilíbrio de sua postura equivocada pelo carpinteiro primitivo das redondezas que a fixara. Deviam sentir frio com as roupas quase secas mas úmidas tal como chegara o primeiro amigo mas recusaram trocar preferindo encostar-se nos tijolinhos da mureta que separava o fogo crepitande do restante espaço da sala. Todos os rodearam curiosos sobre suas vidas ao redor do mundo e a inesperada chegada.Calmos e reflexivos relataram com segurança momentos agudos de saudade e isolamento fora do país em particular em Londres a indiferença da gente a vida entrecortada de sustos com a polícia de imigração perseguindo os ilegais os momentos de felicidade com o bom resultado de um trabalho os raros e caros instantes culturais de visita a museus ou shows de artistas itinerantes em parques europeus. Todos bebiam mas os três abstiveram-se alegando razões diferentes tampouco participaram do jantar coerentemente assinalando que haviam acabado de comer juntos elogiavam os pratos a beleza da mesa o espírito de entendimento e a união dos amigos. Queixavam uníssonos de que haviam comido mal e mal acomodados mas estavam satisfeitos. Já secos pelo calor da lareira animaram a conversa da noite e demonstraram seletivamente conhecer particularidades de um ou outro dos amigos reunidos em grupo envoltos na neblina da serra. Sua experiência de vida acentuou a acuidade na formulação de conceitos e frases percebiam o rumo da conversa e os desdobramentos dela sem equívocos. Era como se antevissem a opinião seguinte. Foi surpreendente a participação clarividente dos três visitantes na discussão sobre o fenômeno da vida material e o vislumbre do além dela nada surpresos diante dos raciocínios arrevezados ou fantásticos de um ou outro no grupo. Traziam invariavelmente sem hesitar argumentos sobre a beleza da vida. O nível da conversa subiu nitidamente. O primeiro visitante era um homem dedicado a leituras e gozava de reputação intelectual. Procurou materializar o tema passando da prosa à poesia elevada à mais pura manifestação do espírito humano onde a mente prescinde das amarras da lógica em busca da liberdade. A discussão voltou-se para a literatura e retornou à liberdade nas apreciações sobre o valor da metáfora como meio de aproximar a palavra e a frase das alturas do pensamento. Pensamento irredutível à palavra. O intangível e incomunicável no ato de puro pensar.As cabeças produziam idéias aos borbotões mal acostumadas com a preguiça de outras noites embotando-lhes o juízo e a inteligência. Mas seria inteligente tentar transformar em palavras idéias do livre pensar? O amigo inicial que anunciou os demais dissertou longamente sobre os benefícios da meditação no que chamou de diálogo consigo mesmo como forma de compreender os fenômenos do conhecimento e de interpretação do real. Sua espiritualidade incentivou confissões em palco aberto do grupo da serra e dominou o rumo da conversa. De superficiais e vazios de repente emaranharam-se nebulosos nos domínios da filosofia. Negou a ciência como verdade preferiu abordá-la como manifestação de fé identificando-a com formas religiosas de explicação do cosmos. deus foi um capítulo à parte em discurso quase formal perguntando se todos haviam tomado consciência do abismo sem fundo que ilustrava a morte. Onde se esconderia deus perguntou retoricamente para tentar explicar deus como resposta à angústia existencial do conhecimento de todas as coisas e à expectativa ansiosa da morte fim impossível pra a inteligência do ser. O que é há de ter um sentido e uma razão. Não se termina o que é. O homem animal pensador sôfrego de estancar sua dúvida existencial pensou um deus e nas limitações do pensamento e da expressão construiu-o a sua imagem e semelhança tal como figurado eloquentemente por Michelângelo no teto inspirado da Capela Sistina.A eternidade é instituição correlata. O tragico nessa correlação é não ter-se tornado ainda possível representar a eternidade como pareceu fácil representar um deus. Talvez pensou quem soube pensar talvez a eternidade seja o buraco negro no qual o ser humano atirou inconseqüente seu destino. Os dois companheiros de viagem mais tímidos e tolerantes admitiram a realidade das aparências como fonte de revelação das leis não escritas que regem o universo mas como o primeiro amigo perguntaram insistentemente sobre a localização desse deus sua forma e poder. Voltaram ao tema da meditação para diferentemente do amigo concluir que nem sempre esse estado da consciência religa o homem à natureza mas produz no seu limite um ser sozinho consigo mesmo. O debate evoluiu entre essas sensibilidades mas derrapou no valor reduzido da palavra como representação da idéia. Como traduzir o pensamento em palavras? Como antes disso fazer do pensamento uma consequencia do ato de pensar que o precede e abrange? A alienação do ato de pensar de seus produtos o pensamento e as palavras equivocou a todos e pôs a sorrir os visitantes. A abstração do ato de pensar não os angustiava o pensamento e sua tradução em palavras sim no que perturba o processo de comunicação.Bebidos e cansados os amigos reunidos na serra foram adormecendo sob a névoa dos raciocínios formulados e ouvidos iludidos entre a compreensão e a dúvida seguramente impressionados e curiosos ainda da chegada dos três viajantes. Quem temia continuou a temer e talvez mais sensível sentiu um calafrio quandos os três visitantes partiram despedindo-se com um aceno de mão seguros de si mesmos tal como chegaram. Os hospedeiros despertaram tarde na manhã seguinte e o comentário central foram os temas aflorados e o intrincado raciocínio dos três visitantes. Aquela que temia continuou a temer e tímida confessou que não dormira assediada por um sonho de morte. O fantasma dos arredores não aparecera mas era como se o tivesse feito. Medrosa confessou que não sentira agradável a chegada dos visitantes e desgostara dos temas postos em discussão. Foi chamada de bêbada delirante mas criou um clima de surpresa e indagação quando pediu que todos meditassem sobre a resposta simples como parte de sua insonia ou sonho: pensem no inconcebível. Por que e de onde vieram os tres visitantes? Nesse momento preciso o jornal da manhã em edição extraordinária pela televisão anunciava a queda durante a noite de um avião de linha em meio ao oceano e desvendava a lista de passageiros embarcados em Paris: os nomes dos três amigos encabeçavam a lista.

Petrópolis, junho de 2009.


sábado, 3 de abril de 2010

DIÁLOGO NEGRO



DIÁLOGO NEGRO


que a morte nem seja breve nem longa

nem breve chegue nem longa dure

que a breve morte leve-me cedo

a longa me é tortura.

como chega não sei

mas certamente vem

talvez montada ou em patins

baterá à porta do jardim

ou entrará sem maneiras

pela porta de trás

a mim que a espero mas não a quero

não assustará

é espreita e companheira desde que nasci

rodeia rodeia quer-me falar

ainda que não lhe dê prosa

nem assunto tenho para confiar


- Senhor bato à porta

posso entrar?


não entres agora estou a meditar

sobre o mistério que me deves contar

e serei dois

o que estou e o que se vai.


- Creio exagero Senhor falar em dois

um a ficar

o que fica é barro e virará pó.


ora Senhora Morte tenha dó

ficarás muito

mais do que pensas

e saibas que não é só

deixarei muita coisa a elencar:

todas as mulheres que me quiseram amar

as demais que por demais não faziam que odiar


- Vejo-o satisfeito hoje a lembrar mulheres

logo você que só de uma foi capaz...

parece retórica seu parlapatão!


está bem concedo-te um ponto mas só para começar

tu podes apagar as mulheres

deixa uma só

deixo então pra trás a esperança

que acaba de falecer

não faz nenhum sentido morrer

e manter viva a esperança...

essa pelo menos não chorarará

nunca se lamentou

sempre levou a vida alegre

pelo que estava por vir

por ilusão tua mais dileta amiga

ainda por encontrar

Senhora Morte conversa comigo mas não te abanques

melhor que a porta fique entreaberta

pois não será desta vez que ficarás

a Senhora não está apurada com outras vidas a ceifar?

pergunto curioso

onde está a ceifadeira mecânica?


- Mecânica porque mecânica? Uso a de mão

que me dá o prazer de ceifar

por isso não tenho coração.


mas os tempos modernos Senhora Morte

a superpopulação o computador

é muita gente e todos aparelhados

para se salvar

melhor a ceifadeira

que leva de roldão a multidão

penses nos chineses

será possível matar um a um?

mesmo aqui com essas passeatas

trabalhadores estudantes petistas

gays em profusão

mulheres de militares pedindo pensão!

é trabalho para muitas Mortes

que se não é mecanizada

jamais ocorrerão


- Com essa conversa você quer é me enganar

mas nada espere enganar não me engano

posso entretanto dar-lhe uns momentos a mais

para conhecer as maldades que perpetrou.


melhor falar do que vou deixar

e que são partes de mim

por isso o eu que fico

é tão importante como o que se vai!


- Não se deixe encantar pelo que não é nem pelo que será se eu o deixar...nada de encantos nem de mistérios não há fantasia no seu viver.


ponho em mim toda a esperança

enquanto viver

partir será mergulhar

no buraco negro da eternidade

que não me dá tempo

nem qualquer felicidade

já pensastes no horror

de viver sem sequer sonhar?

não definitivamente não

podes ir sem mais me bajular

aqui fico neste desterro

esquece que existo

e deixa fluir o sofrimento da hora

não vou nem que me tentes

adoro viver a insegurança

do finito que não se acabe

do risco de que me venhas

assim fora de hora...


- Chegarei sem que espere não me anunciarei virei...


vai não tenho saudade por ora

mas não desapareças

estarei por aí entre o gozo e a tormenta

esperando tua chegada

negra negra soturna e triste.


Rio, 2009