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domingo, 22 de agosto de 2010

SONHO E DESEJOS



a um amigo jovem



sonho um sonho que não meu
e dele faço a verdade
de quem o sonha em realidade
e não por isso ele será eu

marco os passos cadencio
indico o espaço
jamais escasso em seu caminho
não me omito e nem de longe silencio

tomo em mãos os seus desejos
dou-lhes forma e sentimento
para que tenham ética e pejo

mas amo o sonho e o entendimento
do que sei e do que vejo
ser dele o fiel contentamento

Rio, agosto de 2010



segunda-feira, 9 de agosto de 2010

PAPO DE LOUCO

PAPO DE LOUCO [NET]





Diálogos prolongam-se nas salas de conversação surpreendentes; são ricos em sugestões, resumindo vidas em minutos de revelação do real no vazio virtual. Os pequenos dramas do cotidiano repetem-se; basta um pouco de paciência na espera dos desfechos, quando ocorrem, para ter-se um conto rápido de diálogos feito. Desfrutem desse:


PAPO DE LOUCO


• Olá! Quer teclar?
• Não. Estou ocupado agora. Talvez mais tarde. Obrigado.
• Ce diz naum e diz obrigado, pô!
• Obrigado por ter-se interessado em teclar comigo. Estou sendo delicado.
• Diz só…Ce mora onde?
• Desculpe, estou ocupado, mas vá lá, na Zona Sul.
• Já sei, um desses riquinhos viados que naum gostum da Zona Norte.
• Peraí, cara, pq a agressividade?
• Eu naum fui agressivo, ce é que naum quis falar comigo.
• Volto a explicar e agora já estou perdendo o outro interlocutor…Vc entende que quando me cumprimentou eu já estava ocupado? Se a resposta é sim, então deixe que eu continue com minha conversa e você procura outro para papear.
• Eu naum disse! É isso, fala complicada, cheio de falsidade, ces taum sentados numa bomba do tempo e isso aí vai explodir. Ces seraum todos mortos pela bandidagem e naum é ninguem daqui naum.
• Olhe, já que estamos conversando, o meu outro interlocutor foi embora e eu perdi a conversa que estava boa. Vamos lá, fale.
• Naum é nada naum, ces saum cheio de melindre, nem aceitaum conversar nem explicam e querem que a gente se sente igual? Qual é, ces acham que zona norte é lixo e tudo que passa depois da Ilha é ladraum. Num é isso naum, malandrinho viado. Nois somos do bem, ces é que estragaraum isso tudo com esses ladrões que ces fazem a gente aceitar e votar. Quer ladrão maior que esse bando de vereador e deputados inúteis que estaum na assembléia? É tudo ladraum. Depois querem condenar quem rouba a casa de voces. É tudo igual…
• Olha meu amigo, acho que nossa conversa não vai muito longe não. Você está um pouco alterado e eu tenho mesmo de sair da NET.
• Tá vendo! É tudo igual. Tu naum me aceita porque eu sou de Meriti. Tu pensa que sou bandido. Tu que é merda, riquinho cu sujo, viado. Pede desculpa, tá?
• Bem, se você não quer começar a conversar direito eu vou mesmo. Disse que tinha de ir. Dei atenção a você e até agora só li desaforo. Você não sente que vai agredindo todo mundo. Diz, cara que você faz na vida?
• Eu naum estudei pra ser bonitinho cu sujo naum. Eu sou trabalhador mas naum sou do partido do Lula naum. Eu sou trabalhador de verdade, levanto de madrugada e trabalho o dia inteirinho. Eu estudei, fiz até o segundo grau, mas meu pai morreu e eu vim ajudar a mãe. Por isso estou nessa merda.
• Que pena que seu pai tenha desaparecido, você deve ser um bom filho, ajudando a mãe e ela deve gostar muito de você.
• Porra cara, ce deu uma dentro e uma fora. Fiz tudo pra ajudar a mãe e sou bom filho sim. Ela é que é uma mãe puta. Vagabunda. Meu pai morreu, ela passou uns tempos me explorando, obrigou eu trabalhar e arranjou um cara que explora ela e me explora também.
• Mas esse homem não trabalha, não ajuda?
• Que nada, é o maior bandido, um dia eu mato ele.
• Vai com calma que a violência não resolve. Procure conversar com ele e quem sabe não chegam a um acordo.
• Tu sabe, cara, tu é legal. Eu entro nestas salas faz muito tempo e só ce sabe conversar assim. Acho que ce me amarrou com essa conversinha de viadinho da zona sul. Pô! desculpe. É que pra mim todos da zona sul são viadinhos.
• Tá bom, agora vou. Que Deus o proteja.
• Deus naum entra nisso cara. Deus é coisa do pastor que trata direto com Jesus. É só lá que tem paz e amor.
• Você é religioso?
• As vezes vou la na igreja, só pra ouvir aquelas palavras bonitas que eles dizem. Eu naum sei se acredito naum, mas as palavras saum bonitas. Só naum gosto dessa coisa de pecado e maldade e possessão que eles inventaum pra controlar a gente. Outro dia disseram que eu estava possuído pelo mal. Eu, mas logo eu?
• Mas você sente que fez algum mal? Porque disseram que você estava possuido?
• Ah, cara, eu estava lá numa boa e o pastor começou a passar a maum na gente. Quando ele veio pra cima de mim eu tirei o corpo e passei o pé. Naum tem homem pra passar a maum em mim naum, nem esse pastorzinho de merda.
• Mas ele não ia abençoar você? Ele não estava protegendo.
• Tava naum. Cada um que ele passava a maum rolava no chaum e estrebuchava, ficava pior até ficar melhor quando ele vinha com umas palavras mágicas de satanaz e vá de reto.
• Sei…
• Tem essa naum. Tem essa de me enloquecer pra depois me curar. Eu sou um cara pacífico e sei onde tenho o nariz, sou trabalhador, naum sou vagabundo naum.
• Isso eu já sei. Mas diz pra mim como você tem dinheiro pra ficar na NET até esta hora. Você tem computador?
• Qui nada cara, eu tenho aqui um amigo viado que tem computador e hoje é meu dia de usar. Ele empresta cada noite pra um cara que vem aqui no quarto dele e ele paga ainda umas bramas.
• E ele faz isso só por amizade?
• Cara, naum entra nisso naum.
• Porque?
• Porque isso aqui é coisa de macho. Nois nos entende direito e ele respeita. Depois, se eu tenho direito a ficar até de manhazinha no computador sem pagar nada, é direito que ele tenha a parte dele.
• E qual é a parte dele?
• Ele quer que a gente deixe ele ficar perto, que ele ponha a mao… ce sabe né?
• Mas você não acabou de dizer que homem nenhum põe a mão em você?
• Ah, cara mas esse aqui é macho mas num é home…

Internet, chat de agosto de 2004



domingo, 8 de agosto de 2010

UMA HISTÓRIA SOBRE UM ANÜNCIO NA NET



De um anúncio na NET:

“COROAQUERJOVEM [até 38 anos] - 60a, discreto. Sou feliz sozinho,não quero nada nem espero mais carinho. Amor nem falar...ninguém sabe amar, querem sexo. Não tenho preconceito de cor, de raça, de sexo, curto tudo, desde que sejam limpos. Não procuro, já procurei e tive, mas em plena carência que não sinto mais. Estou aqui sem esperar. Alguém deve vir”.

Fui um homem como outro qualquer. Vivi encantos e desencantos, hoje sou um anúncio na NET em busca de um personagem. Encontrei um autor e contei-lhe minha história que agora se transforma em conto talvez literário sob a pena segura de um homem que sabe o que faz. Eis:

***

Descobrira que não era um menino como os demais aos sete anos de idade, quando Felipe, um primo de doze anos, chegou para passar uns dias em casa. Era bonito, olhos azuis, cabelos loiros, grande, muito maior do que eu, forte e decidido. Jogava futebol e falava das primas que moravam vizinhas como se soubesse que elas não resistiriam a sua beleza e safadeza.

Chegou no carro do pai fingindo que dirigia, sentado no colo de Tônio, um tio moderno. Chegou vitorioso como um guerreiro que vence sua primeira batalha. Entrou correndo em casa carregando uma bola de futebol em couro, tamanho oficial, foi direto ao quintal e desferiu um petardo certeiro em cima da primeira galinha que se descuidou sem perceber que chegara Átila, o rei dos Hunos. Subiu na mangueira alta, sacudiu uns galhos e derrubou mangas maduras, desceu, recolheu duas e numa delas deu uma mordida para expor a carne amarela e suculenta que chupou depois de bater muitas vezes a manga sobre uma pedra. Deu a outra para mim que, perplexo, via chegar aquele furacão loiro. Pela primeira vez admirei com interesse suas pernas fortes e macias, brancas, apertadas por um calçãozinho azul que fazia sobressair um volume do lado esquerdo. Olhei curioso e atento para as pernas e para o volume que sobressaía.

Sem me esperar, pulou o muro de um salto e foi à casa da vizinha Tereza, gritando o nome das primas: “- Lilita! Mariza, cheguei!”

As meninas vieram correndo para o quintal. Quando cheguei, dando a volta pela entrada da casa, elas já estavam lá extasiadas com o primo. Nem me notaram, ignoraram meus gritos para chamar-lhes a atenção e continuaram com Felipe a falar de coisas que eu não entendia. Lilita tinha então 10 anos e Mariza, doze, já taludinha, com uns carocinhos nos mamilos que anunciavam os peitinhos.

Nem liguei para elas e sentei-me sobre uma pedra no meio do quintal onde algumas galinhas ciscavam e corriam, sujando o chão poeirento com “caca”, como dizia minha mãe.

Felipe exultava com as primas, segurava a mão de Lilita e a puxava para um lado, enquanto agarrava Mariza pela cintura, desafiando-a a soltar-se. Tinha força, era parrudo, talvez um pouco gordo para os padrões de hoje, mas forte.

As meninas estavam encantadas, cercavam-no de todas as atenções e demonstravam claramente que me ignoravam. Pensei comigo que eu era ainda uma criança e que Felipe começava a parecer um rapazinho.

Fui para casa de volta algo frustrado e encontrei minha mãe protetora que me consolou, pôs-me no colo dizendo que Felipe era mal educado e que eu era o bom menino dela. Apresentou-me a uma amiga, elogiando meu comportamento educado, convidou-me a sentar no sofá e deu-me biscoitos. Eu ouvi tudo aquilo com desconfiança, achei-me bobo e despreparado e pensei em Felipe. “- Ah! Como gostaria de ser como ele!”

Na tarde daquele dia sofri meu segundo revés na comparação com Felipe, quando chegou meu pai e achou graça em tudo que ele fazia, conversou, tratando-o como homem e elogiou seu “muque", que o machinho exibicionista fazia maior contraindo os braços em forma de “L”, punhos fechados, vaidoso. Sem dar muita bola a meu pai, Felipe deixou a sala urrando palavrões enquanto meu pai achava graça. Eu fiquei ali do lado esperando atenções que não vieram.

Não tardou a hora do jantar em que todos sentados à mesa ouvimos Tônio contar as últimas proezas de seu rebento e eu olhava tudo com desconfiança porque meu pai não me citava nem me dava chance de falar. Quando eu tentei dizer que Felipe conseguira mangas deliciosas [eu também chupara uma delas], meu pai pediu-me que não interrompesse Tereza, a vizinha, que também jantava conosco e começava a falar alguma coisa sem interesse sobre a igreja de domingo.

À noite fomos dormir e Felipe foi para meu quarto, dividindo comigo a mesma cama, um na cabeceira e outro nos pés. Senti-me algo intimidado porque ele era grande. Mais envergonhado fiquei quando ele trocou de roupa e mostrou-se nu, segurando o saco com as duas mãos e rindo de meu pijama vermelho de bolinhas brancas. Vestiu um calção sem sunga e enfiou-se debaixo das cobertas numa noite fria. Eu deitei-me tímido no canto, mas logo senti o calor e a força de suas pernas tocando as minhas. Encolhi-me, afastei-me delas, mas percebi depois de alguns minutos de que não pensava em outra coisa, senão no momento em que ele me tocasse de novo de alguma maneira.

A noite foi longa e de sobressaltos, mas muito excitante a cada vez que os pés de Felipe tocavam-me o braço ou as mãos. Tinha um pé grande e gordo, lembro-me até hoje da unha rachada do dedo maior, que ele me contou ter machucado numa partida de futebol sem chuteiras no seu colégio. Acordei querendo ver Felipe trocar de roupa e fiquei como que distraído num canto esperando o momento em que ele tirasse o calção.

Passaram-se os dias e ele se foi. No tempo que ficou em casa, todas as noites eu queria logo ir para a cama, para tê-lo perto de mim. Por duas tardes insisti em ficar no banheiro quando ele tomava banho e notei com curiosidade que em torno do perú havia uma penugem escura. Ele passava sabão todo em volta fazendo uma espuma branca densa e depois enxaguava longamente.

Hoje sei que sentia prazer naquilo e acredito que seu prazer era ainda maior porque me sabia curioso e tímido.

O tempo passou e eu já adolescente ainda me lembrava de Felipe naqueles dias [e ele já estava na universidade, adiantado, mas aluno desatento, ainda que inteligente]. Morávamos na mesma cidade e eu ainda preparava-me para entrar na universidade. Segui sua evolução de sucesso, grande esportista: futebol, natação, volley. Ficou alto de 1,89m e manteve as coxas grossas de menino, só que com pelos. Eu adorava assistí-lo jogar, especialmente futebol e volley, torcia por ele, fazia parte da torcida, agitava a flâmula da escola e gritava Ipe! Ipe! Ipe! Eu era como muitos, especialmente as meninas, seu fã, mas excedia-me em adorá-lo. Faria qualquer coisa por ele!

Fomos para casa juntos um dia à tarde e Felipe deu-me atenção inusitada. Conversou muito sobre futebol e tocou pela primeira vez em sexo, para contar-me suas aventuras com as meninas que o assediavam. Pudera! Ele era um belíssimo rapaz de 20 anos [eu tinha então 16]. Perguntou-me se eu já tivera uma namorada e discutiu comigo o que as meninas gostavam que fizéssemos. Falou de passar-lhes a mão nas coxas, foi sem vergonha ao mencionar o prazer que lhes dava tocar-lhes os seios em formação e contou-me algumas de suas aventuras sexuais em que comera esta ou aquela no fundo da quadra, atrás dos vestiários, ou que levara uma para o banheiro do clube em dias de festa.

Eu o escutava atento e admirado, foi meu modelo nunca modelado. Sua virilidade atraía-me e amedrontava, pois eu não era capaz; sua beleza física excitava-me e os espelhos desiludiam-me. Fugi sistematicamente da vida natural. Não fui capaz de contar-lhe que nunca havia saído com uma menina e que minha primeira namorada não passara de furtivos olhares em festas e na entrada dos cinemas de sábado.

Confesso meu complexo de inferioridade: senti-me o último dos rapazes!

Passei a evitá-lo para não confessar minha fraqueza pouco viril no contato com as meninas. Afastei-me dele frustrado e humilhado por mim mesmo.

Em casa, a situação não ajudava: meu pai era um homem autoritário e severo, minha mãe, uma pobre professora carinhosa, mas muito maltratada no casamento. Todo mundo sabia que meu pai tinha amantes e ela submetia-se a suas exigências de horários para tudo e casa organizada. Não se davam bem.

Uma noite que meu pai chegou tarde percebi que minha mãe chorava baixinho na cama e tive pena dela. Fui a seu quarto e sentei-me ao lado da cama segurando-lhe as mãos, perguntei o que havia e ela respondeu-me entre soluços que não era nada, que me despreocupasse, que passaria o mal estar logo, mas que continuasse com ela. Fiquei longo tempo alí a seu lado até que ela adormeceu. Com receio de que voltasse a sentir-se mal, deitei-me a seu lado e adormeci também. Foi uma noite longa em que me senti importante por haver podido apoiar minha mãe tão carinhosa numa crise importante. Ao acordar ela já se havia levantado e preparado a mesa do café, que tomamos juntos.

Não tardou e veio a tempestade com a chegada de meu pai, arrogante em suas exigências e desatento às perguntas humildes da mulher sobre onde tinha passado a noite. Lembro-me bem, foi direto ao quarto, recolheu algumas camisas e roupas diversas, entulhou tudo em uma pequena mala e anunciou que iria viajar. Senti que minha mãe pressentia o desfecho e a vi humilhada recolher-se ao quarto para chorar mais enquanto ele se foi. Para sempre. Nunca mais voltou nem dele tive notícia.

Tornei-me companheiro de minha mãe, suas amigas davam-me muita atençao e julgavam-me bem. Eu era um rapaz educado. Já nesse tempo estava bem adiantado nas minhas aulas de violino, que toquei sempre bem, sem ser um virtuose. Costuma tocar para o grupo de senhoras quando vinham para o chá em casa, conseguia agradar com peças mais simples de Mozart. Não tocava peças populares, não tinha o dom de tirá-las nem o instrumento ajudava nem havia pautas disponíveis à venda que me facilitassem essa proesa.

Olhava o mundo com desconfiança, pois continuava tímido e custava a sentir-me à vontade no ambiente jovem. Tinha então um único amigo com quem conversar, conhecíamos os mesmos temas, usualmente música e artes, falávamos de tudo ainda que Mateus fosse ligeiramente mais velho que eu. Foi Mateus quem me chamou a atenção para a anomalia de meu comportamento um dia, quando discutíamos cinema e famos sobre “Morte em Veneza”, essa obra prima de Visconti, em que Gustav agoniza sua paixão senil por um adolescente com quem não tem contato num hotel de luxo na riviera do Lido, em Veneza.

De fato, não namorara jamais, tinha amigas distantes por quem nutria simpatia difusa, não as citava nem as admirava. Esse comportamento fez meu amigo notar com uma certa amargura crítica que eu era um homem fora do mundo. Não construíra meu destino voluntariamente, mas o que obtivera certamente me oprimia.

Recordo-me de Fernando Pessoa e sua sabedoria poética nesse passo, quando canta que

“...acima dos Deuses o Destino. É calmo e inexorável...”

Para falar da inevitabilidade do fado

...”um fado voluntário/que quando nos oprima nós sejamos/ esse que nos oprime,/ e quando entremos pela noite dentro/ por nosso pé entremos.”//

Fui solitário por opção, construí-me dentro de mim com meus preconceitos e liberdades,fugi do mundo porque o temi e meu mundo foi criado por Felipe e sua virilidade bonita, por minha mãe sofredora e presente, por meu pai exilado, arrogante e cruel. Entrei em minha noite pelos meus pés e nela me encontro, a ninguém culpo. Fui eu mesmo quem trilhou o caminho e nele estou sem culpa consciente sem culpados, cansado hoje de tudo que longamente vivi na euforia de momentos de gôzo, na felicidade falsa da solidão, no isolamento egoísta da timidez sem causa, na minha impotência diante de tudo.

Hoje quero um jovem viril como Felipe, ousado e firme que me domine, preciso dessa força como do ar que respiro, sinto-me protegido e reconfortado quando alguém se interessa por mim. Os anos passaram e a juventude ficou atrás impiedosamente depois que deixou de parecer eterna, perdi a beleza de meu corpo hígido, ganhei as cicatrizes do tempo e fui abandonado pelos que me aceitaram na esquina episódica da vida.

Não me recordo com quantos aventurei-me nem quantos passaram por minha cama e penetraram meu corpo, não os conto às centenas, mas ultrapasso o milhar na medida do desconforto que sinto a cada dia por nenhum ter significado afeto real que perdurasse. Mudei de parceiros tantas vezes quantas me despi, jamais consegui vestir-me na nudez a que expus meu sexo, fui fêmea sem os atributos da fêmea, não engravidei, não tive filhos, não conservei um companheiro para seguir meus passos na idade madura em que estou.

Temo a velhice. Quantas vezes só, quantas vezes doente desejei alguém que me oferecesse um chá, quantas flores imaginárias perdi sem ornamentar os vasos de minhas casas vazias, quantas idéias sem interlocutores!

Estou só no meu desconsolo e espero um jovem que me venha dar alguns minutos de sua presença. Pago por eles, custam-me caro e sobrecarregam meu orçamento, mas pelo menos tenho-os quando me lambuzo no seu esperma quente. Com outra consciência e outra perspectiva colhi flores de outra espécie no passado, hoje sem nenhum perfume, nesse desassossego do que é a lembrança do que fui e o drama de pensar naquilo que não fui e que jamais saberei reconstruir na impossibilidade filosófica do que poderia ter sido e não foi.

Londres, março de 2008.

sábado, 7 de agosto de 2010

PRESSENTIMENTO




A noite ainda era parda quando saltou da cama. Nada tinha a fazer, rolava sem sono, os lençóis esquentavam-lhe o corpo velho numa madrugada quente. Dentro de casa a calefação que o consumia; lá fora, frio, mas por dentro bem dentro o calor era insuportável.

A rapidez com que saltou da cama desmentia sua idade. Um homem de 60 anos. Sentia um calor que não lhe lembrara a luxúria nem os momentos de tensão que precedem a rapidez do orgasmo. O ir e vir compassado, de repente acelerado, era a lembrança mais próxima do sexo sem duração. Um calor sem razão, um calor talvez sufocante, respiração sem ar que lhe tomara o sono.

Restava-lhe ficar inerte sobre o colchão que se amoldara ao corpo.

Lembrou-se de seus tempos de menino, quem sabe nos quinze anos, talvez menos, e soletrou a palavra-chave – pu nhe ta.

Era isso!

Sua vida tornara-se uma punheta sem razão e as noites já não a encurtavam mas alongavam a masturbação sem gozo e sem mulher. O pênis inflado pelo contato das mãos daqueles tempos já nem mais duro tranformara-se naquela goma molenga pendurada no vão das pernas sem razão de ser.

É o penis é como apêndice que supurado é declarado inútil e nenhuma falta faz. Nem para mijar. Mulher não mija sentada? Talvez fosse essa sua melhor idéia. Passaria a mijar sentado.

Entre mijar sentado a velhice do pênis inútil e o calor da noite divagou concordando e discordando de si mesmo. Estava sem sono e nem mais a punheta dos quatorze anos valeria a pena bater com o pau mole.

Lembrou-se do Poeta que lhe encantara a vida, lido aos pedaços, sem ordem nem lógica, mas perfeito na sua visão do mundo. Coincidira com Ele no positivo e no negativo e como Ele variava de personalidade conforme os ventos e humores.

“Às vezes em dias de luz perfeita e exata/ em que as coisas têm toda a realidade que podem ter,/ pergunto a mim mesmo devagar/ por que sequer atribuo eu/ beleza às coisas.”

É isso, a ausência do sentimento da beleza que o atormentara enquanto dormia – ou fingia que dormia. Todo o calor que lhe esquentara por dentro e que parecia esquentar a casa e lhe tirara o sono tinha essa origem: a ausência de beleza da vida como lhe transcorria nos anos recentes. A punheta recordada era a metáfora mais adequada a descrever seu estado de espírito. Tudo era uma punheta sem outro socorro senão manejar exasperadamente o pênis com o movimento dos braços cansados e doloridos. Mijar sentado havia sido a melhor lembrança do que se transformara no passar do anos a matrona sem virilidade e gorda contraditória com a imagem remota do homem de anos antes que esbanjara força.

O que é o mundo sem beleza? A mera realidade ôca das coisas distribuídas no espaço? Beleza tem cor pensou e o mundo é cinza! É preciso nada saber de alma sentimentos emoções alegrias e tristezas que são conceitos da imaginação para entender o que não é beleza. Tudo tornara-se inútil e fútil onde não existia mais o êxtase da apreciação do belo. Não precisava mais dormir nem acordar.

O ponto morto desse desencanto tinha tudo a ver com seu fracasso nada dera certo tudo se complicara no passar dos anos e o fim deles não lhe reservara nenhuma glória nem a mais mínima satisfação diante de artificiais desafios. Merda!

Foi ao fundo de sua divagação perguntando-se sobre a continuidade de tudo e a validade de nada. Como um zumbi despossuido da alma interrompeu tudo e deixou de sentir.

Londres, fevereiro de 2007.







domingo, 1 de agosto de 2010

REFLEXÕES E CONSELHOS SOBRE A VIDA


Carta a um amigo


Peço que reflita sobre algumas observações e conceitos que listarei. São percepções sobre a vida deste seu amigo, aquele mesmo que, experiente e vivido, sente-se parte de sua vida pelo lado bom,

do respeito humano,

do interesse por suas realizações,

de sua luta pela afirmação pessoal e social,

do afeto sem preconceitos,

da confiança,

da solidariedade e da dedicação.

Espero que você me considere ser esse seu amigo e que seja você reciprocamente igual amigo, incondicional e presente. Peço que me leia e medite sobre cada um dos preceitos [que têm para mim o valor afetivo de uma relíquia preciosa de meu pai] a seguir:

[1] só um homem que se respeita infunde respeito [nunca ceder no respeito a sua natureza, ao seu caráter, aos seus princípios e será respeitado];


[2] sua natureza é ser homem [ser humano] e portanto ser consciente de si mesmo e respeitar o que lhe diz a consciência;


[3] seu caráter são como impressões digitais, único: um cristal, que não se pode trincar. A moral pessoal e a ética social são dele parte integrante e essencial;


[4] uma vez só você será quem você é, corpo e alma, o indivíduo que é. Não ameace essa unidade, respeite o que ela representa: sua vida! Assim, não barateie seu corpo, não o corrompa, não o alugue, não o venda indignamente; assim, mantenha pura a integridade da alma que o anima e conduz nesta única vida;


[5] Apaixone-se, ame, mas dedique-se a transformar a paixão em amor e o amor em regra de convivência construtiva com aqueles que o merecem: não há paixão possível por mal ou pelo mau nem amor verdadeiro pela corrupção;


[6] Nada de grande na história do homem se fez sem trabalho, que no plano próprio envolve formas de amor e paixão;


[7] Ame seus amigos, mas não se deixe levar por eles; exija respeito e terá o respeito que pede; não construa em si mesmo a mitologia da bondade intrínseca à amizade: a amizade de alguns pode ser mais daninha e funesta do que seu ódio ou aversão;


8] Proteja sua intimidade, defenda sua casa, morra pela sua família; agregue amigos à família maior, quando a confiança neles corresponder à proteção que lhe dá sua casa e à solidariedade e ao amor gratuitos que lhe oferecem os membros queridos e respeitados de sua família;

[9] Seja leal aos que lhe são leais na verdade, tanto nos momentos de crescimento quanto nos da adversidade; seja único, autêntico, transparente na sua verdade: quem se descuida da verdade em assuntos menores não será confiável nos relevantes. Não poupe o erro porque, se e quando errar, não será poupado;


[10] Viva a vida reta: aproxime-se dos bons, dos que trabalham, dos que respeitam o próximo, dos que amam com dignidade, dos que você conhece a boa história e comportamento; afaste-se dos maus, dos que não merecem respeito, dos ociosos.

Mntenha a cabeça erguida, não por orgulho ou vaidade, mas pela consciência de que sua ética corresponde ao sentimento moral de saber cumprir com seus deveres

de família,

de amizades,

de profissional,

de cidadão.

Você será o que sua imagem transparece; essa imagem será construída

a cada etapa,

a cada passo,

a cada atitude,

a cada gesto,

a cada escolha.

Saiba reconhecer as suas falhas e precisamente identificar seus erros. Corrija-os, para não reincidir. Não se exponha à crítica das gentes: ela pode ser mesquinha e injusta, mas deve ser respeitada como o mal que é e pode causar: por causa dela constroem-se ou destroem-se vidas inteiras.


Faça bom uso desses preceitos [conselhos], saiba interpretá-los, medite sobre cada um e aplique-os sempre que do resultado de sua reflexão resulte a convicção de que estáo certos. Guarde-os para leitura repetida e repita a leitura do conjunto e de cada um por vez. Medite sempre sobre sua aplicação a sua vida.


Rio, agosto de 2010 [recolhidos de anotações que datam de 1958]