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segunda-feira, 21 de maio de 2012

Contagem regressiva para a Conferência RIO+20


Edição 186 - ECO RIO, revista mensal
Contagem regressiva para a Conferência RIO+20


Flávio Miragaia Perri

Embaixador aposentado, foi Secretário Executivo do Grupo de Trabalho Nacional que organizou a Conferência do Rio em 1992, Secretário Nacional do Meio Ambiente (hoje Ministro), Presidente do IBAMA, Secretário de Estado do Meio Ambiente do Rio. Foi Embaixador junto à Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO). Em seu período como diplomata, atuou na ONU em distintas Conferências e Assembleias Gerais.

 
A um mês da RIO+20, negociadores ainda se deparam com dificuldades para encontrar um texto satisfatório que justifique a convocação da Conferência e a presença de Chefes de Estado e de Governo, no Rio, entre 20 e 22 de Junho próximo. O impasse central foi criado, sem dúvida, pela excessiva extensão de um documento chamado Rascunho Zero (Zero Draft) que se equivocou ao propor um enunciado enumerativo, necessariamente não exaustivo, de diversas atividades, setores, aspectos, conceitos incompletos, em receita desequilibrada. A RIO+20, ao contrário, exige um texto de impacto, sólido, voltado para o futuro, abrangente em sua síntese dos fatores econômico, social e ambiental que constituem os pilares do conceito do desenvolvimento sustentável.
Assumir compromissos claros de executar o que já existe bem negociado e em evolução seria a tarefa central da Conferência. Propor, para inovar, onde não há instrumentos internacionais. Partindo de sugestões numerosas, “mais de 600”, como informou o Secretário-Geral da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, Sha Zukang, o Rascunho Zero (Zero Draft) errou na dosagem e na receita, preparando um documento-base sem foco.
Como apresentado, curiosamente pelo caminho inverso, compôs-se um “conjunto vazio”, conceito que ironicamente define o zero. Cabe aos governos corrigir esse rumo na mesa negociadora.
Parto do princípio de que a declaração final da RIO+20 não deveria repetir exercícios anteriormente feitos com sucesso, mas considerá-los quando pertinentes. Assim é o caso da Agenda 21, adotada por consenso em 1992, que não pode ser (sem que se queira fazê-lo) substituída por documento inferior, sem foco ou aceitação.
Olhado criticamente, “Zero Draft” mimetiza, na tentativa de citar atividades ou setores de atividades, o elenco muito mais equilibrado e completo da Agenda 21, entretanto ainda não universalmente aplicado. A Agenda 21 foi um dos resultados mais brilhantes da RIO-92. Seu mérito está justamente no fato de que atribui a cada país a incumbência de desenvolvê-la, global e localmente, envolvendo sua atuação internacional e ações internas, criando seu próprio quadro, soberanamente, dentro do qual, governos, empresas, ONGs e a sociedade civil como um todo e setorialmente, poderiam solidariamente agir para resolver seus problemas sócio-ambientais. A Agenda 21 constitui, nesses termos um instrumento do desenvolvimento que almeja a sustentabilidade do Planeta e do ser humano, como seu habitante privilegiado pelo atributo da inteligência racional.
Em cada país, a sociedade nacional escolheria seu próprio rumo na definição de um novo paradigma de desenvolvimento, superando setorialismos, evitando prioridades excludentes, promovendo a solidariedade entre todas as partes. Tratar-se-ia de retomar esse instrumento, comprometendo a comunidade internacional que se reunirá no Rio com seus princípios e seus métodos, para ultrapassar conceitos vencidos que, já sabemos, dilapidam o Planeta e desconhecem seus limites. Essencial para sua realização seria a cooperação internacional, angariando e disponibilizando meios financeiros e tecnológicos, para a superação do problema do desenvolvimento que abate esforços de 2/3 dos países no mundo e a maioria da população do Planeta. Essencial seria ampliar os programas de atendimento aos que têm fome, primeira etapa na luta para a superação da miséria.
Seria por essa via, que um novo índice social e ambientalmente mais acurado poderia vir a ser criado para medir o grau de satisfação humana de suas necessidades básicas (e aí me parece claro que se incluiriam a segurança alimentar, a saúde individual e coletiva, a educação como vetores essenciais) e o nível de sustentabilidade ótima dos bens disponibilizados pelo Planeta, o estágio e a organização de seu aproveitamento.Tal índice ofereceria não apenas os valores do crescimento, mas tomaria o ser humano e o Planeta como referências fundamentais.
Tratar-se ia de estabelecer a definitiva transparência de todos os parâmetros para a ação dos Estados no plano internacional e dos Governos no plano nacional. Atividades industriais e urbanas seriam enriquecidas por essa orientação e o cidadão teria a sua disposição um medidor confiável, para sua avaliação pessoal das atividades de seus governos e dos demais atores econômicos, com vista à sua sobrevivência. No plano político esse novo índice garantiria a transparência dos resultados e a consolidação da democracia.
Equivoca-se finalmente o documento-base ao incluir elementos do que por enquanto parece apenas uma combinação de palavras, no termo cunhado por interesse dos países da OCDE no foro do PNUMA, sabidamente financiado pelos países desenvolvidos. Trata-se da ideia de uma “Economia Verde”, que ninguém definiu de maneira clara, cujos limites não estão estabelecidos e que parece ter sido proposta como alternativa indesejável ao desenvolvimento sustentável. Por isso mesmo, a agenda da RIO+20 qualificou esse enunciado vago, submetendo-o ao conceito do desenvolvimento sustentável e ao combate à miséria.
Recentemente, o Secretário do Ambiente do Rio, Carlos Minc, ofereceu contribuição pessoal de valor, para circunscrever essa combinação de palavras a ações de promoção do desenvolvimento sustentável, exemplificando medidas positivas, como a “Carta dos Ventos”, de 2009, que “elencou 12 medidas para viabilizar a energia eólica no Brasil”; recordou resultado de batalha que empreendemos, com Eduardo Carvalho e Fábio Feldmann, quando éramos Secretários de Meio Ambiente nos Estados do Rio, Minas e São Paulo, criando o Comitê da Bacia do Rio Paraíba do Sul e trabalhando pela criação de uma taxa de recursos hídricos na nova Lei das Águas – que então se negociava – cuja destinação seria (como se tornou) os Comitês de Bacia. Hoje se sabe que alguns deles aplicaram sabiamente esses novos recursos no financiamento de proprietários ribeirinhos, na recomposição de matas ciliares, ou em obras de saneamento municipais.
No plano internacional é necessário, entretanto, frear o livre curso dessa combinação de palavras, evitando que venha a implicar restrições ao comércio internacional ou a mais livre disposição de tecnologias para o desenvolvimento sustentável, o que poderia acontecer se países desenvolvidos isoladamente ou em bloco decidissem unilateralmente, pelos Governos de países em desenvolvimento, onde e como aplicar recursos financeiros e tecnológicos internacionais.
Com a Agenda 21 dispomos de instrumento aprovado internacionalmente como facilitador do planejamento, com ampla participação de todas as partes interessadas, nos planos global, nacional e local. Pode ser também um instrumento de boa-governança. Tratar-se-ia de realizá-la com vistas ao estabelecimento de um novo paradigma civilizatório, com efeitos econômicos, sociais e ambientais.
Sobre a chamada “Economia Verde”, se trataria apenas de garantir que não passe de um plano de metas a ser estabelecido nacionalmente, por país, utilizando medidas de governo e bom senso empresarial (fiscais, financeiras, creditícias, tecnológicas, sociais, no plano dos governos, e de gestão da produção e equilíbrio do consumo, no plano empresarial), para viabilizar o desenvolvimento sustentável.

terça-feira, 8 de maio de 2012

RIO+20 - uma entrevista para "O Globo"


CHEFES DE ESTADO NÃO VIRÃO AO RIO PARA UM PIQUENIQUE, DIZ EMBAIXADOR


19/04/2012 08h00 - Atualizado em 19/04/2012 10h00



Para Flávio Perri, documento da Cúpula da ONU precisa ter 'foco e meta'.
Cúpula sobre Desenvolvimento Sustentável acontece no Brasil, em junho.

Eduardo CarvalhoDo Globo Natureza, em São Paulo
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O embaixador brasileiro Flávio Perri disse que a Rio+20 precisa de um documento “com foco e metas” para atrair chefes de Estado à conferência Rio+20, já que eles não vêm ao Brasil “para um piquenique ou uma festa de aniversário”.
Em entrevista ao Globo Natureza, Perri, que foi Secretário Nacional de Meio Ambiente (cargo equivalente a ministro) do governo do presidente Fernando Collor de Mello, criticou a proposta brasileira para o encontro e o chamado “Rascunho Zero”, que norteará a conferência e é negociado entre os países que compõem a Organização das Nações Unidas (ONU).
Para Perri, se o documento não for reduzido ou melhorado, será um documento “para ser arquivado”. Segundo ele, o rascunho tem que abordar pontos-chave, lembrando questões importantes como o combate à fome e a erradicação da pobreza. "Atualmente, ele fala de tudo e de nada ao mesmo tempo," afirmou.
"Na verdade, não se pode falar de ambiente sustentável se existem mais de 1,3 bilhão de pessoas passando fome. Ter um planeta com riqueza, sendo que ela é mal gerenciada", explicou.
A Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, acontece de 13 a 22 de junho no Rio de Janeiro e vai debater temas ambientais, econômicos e sociais, devendo reunir ao menos cem chefes de Estado e 50 mil pessoas, entre diplomatas, jornalistas e representantes da sociedade civil.
O embaixador brasileiro Flávio Perri, que participou ativamente da Rio 92, diz que documento da Rio+20 precisa de foco para atrair chefes de estado. (Foto: Eduardo Carvalho/Globo Natureza)O embaixador brasileiro Flávio Perri, que
participou ativamente da Rio 92, diz que
documento da Rio+20 precisa de foco
para atrair chefes de estado.
(Foto: Eduardo Carvalho/Globo Natureza)
Diferenças
De acordo com Perri, a principal diferença entre a Rio 92 e a Rio+20 é que a primeira foi convocada diante de um impasse internacional sobre vários temas que estavam na pauta das Nações Unidas e envolviam questões significativas como o clima, a biodiversidade e a governança.
"Era uma conferência de chegada, de onde sairiam acordos, tanto que saiu o acordo sobre o clima, biodiversidade e a criação da Agenda 21 (...) um documento que era quase como um plano de governo que poderia ser aplicado em todas as áreas e em todas as esferas", explicou Perri.
Sobre o encontro de 2012, o embaixador afirmou que, inicialmente, seria uma conferência celebratória -- pelos 20 anos do encontro do Rio --, mas que acabou ganhando outro rumo.
"Ela [Rio+20] não tem mandato de produzir resultados imediatamente aplicáveis, porém, juntando vontade política de todas partes, pode propor novos conceitos e caminhos para o mundo até o fim do século, por exemplo. Essa ideia não ficou clara para todos e criou-se uma expectativa equivocada sobre a conferência, por isso fala-se em um iminente fracasso"
Exemplo
Um dos pontos que o Brasil poderá apresentar aos demais países na conferência, e que para o ex-secretário nacional de Meio Ambiente é uma vantagem do país, são os projetos criados para reduzir a pobreza, como o Bolsa Família. "Isso é parte do desenvolvimento sustentável", diz.
Para ele, é preciso centralizar as ideias (econômicias, sociais e ambientais) e repensar no modelo atual de produção e consumo  mundiais.

quarta-feira, 2 de maio de 2012

RIO+20 x RIO92 . Mobilização da opinião




Alana Gandra
Repórter da Agência Brasil

Rio de Janeiro – O embaixador aposentado Flávio Perri, que coordenou a Rio 92 – a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento – disse que uma das principais diferenças entre o encontro e a nova Conferência da ONU sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), que ocorrerá em junho próximo no Rio, é que àquela época não havia uma mobilização popular como existe atualmente.
‘A característica da Rio+20 é que não são apenas os governos, os presidentes e chefes de Estado que vão participar e assinar um documento principal. É toda a opinião pública’. Ele destacou que, pela primeira vez, o evento será transmitido em tempo real pela internet para todo o mundo. ‘Milhões de pessoas vão ver o que se passa no Rio’. Essa distinção é muito importante, disse Perri, porque dá uma característica participativa à Rio+20.
Outra diferença entre as duas conferências, segundo o diplomata, é que não havia, em 1992, o conceito de desenvolvimento sustentável como existe hoje. Ele lembrou que esse conceito foi enunciado pela primeira vez no Relatório Brundtland, resultado de uma comissão independente constituída sob o comando da ONU e chefiada pela primeira-ministra da Noruega, Gro Harlem Brundtland. Apresentado em 1987, o relatório Nosso Futuro Comum propõe o desenvolvimento sustentável, que ‘atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem às suas necessidades’.
‘Foi a primeira vez que a comunidade internacional admitiu esse conceito’, observou Perri, acrescentando que ele se consagrou na Rio 92. Segundo o diplomata, pela primeira vez esse conceito ‘qualificou o substantivo desenvolvimento com o adjetivo sustentável e não reduziu a perspectiva de desenvolvimento’. Ele explicou que, ao contrário, deu mais segurança ao processo de desenvolvimento, ‘para que ele se mantenha contínuo e permita que sejam produzidos bens que tragam bem-estar e vida digna para os seres humanos’.
Perri deixou claro, porém, que o conceito de desenvolvimento sustentável necessita do planeta e de tudo que ele possa fornecer para ser transformado em bens. ‘O desenvolvimento depende do planeta. E para que ele continue verdadeiro e contínuo, é preciso que haja a sustentabilidade dos insumos que oferece’.
O embaixador aposentado destacou que a conferência Rio+20 já parte desse conceito, que é bem aceito e reconhecido pela opinião pública e objeto de interesse de governos, empresas, indivíduos e grupos sociais.
Outra diferença é que a Rio 92, também chamada Cúpula da Terra, vinha negociar uma agenda com foco preciso. Chefes de Estado de todo o mundo foram ao Rio naquele ano para negociar os tratados sobre biodiversidade e clima e a Agenda 21, que Perri definiu como um modelo de convivência humana e de governabilidade firmado em 1992. ‘A meu ver, esse é um instrumento central, resultante da Rio 92′.
Ele comentou que a Rio+20, ao contrário, foi convocada ‘sem que houvesse uma linha de chegada, como havia na outra (conferência)’. Referiu-se a uma negociação que resulte na assinatura de um tratado específico. Segundo Flávio Perri, o que a Rio+20 terá é uma declaração, que poderá ser muito importante se indicar novos rumos para o desenvolvimento sustentável ‘até o fim do século ou além’.
O coordenador da Rio 92 avaliou que o rascunho da conferência, chamado documento zero, foi produzido a partir de sugestões dos governos e está ainda recebendo indicações informais a respeito desse novo rumo de desenvolvimento que deve ser seguido pelas nações. ‘É uma nova forma de encarar o processo de desenvolvimento, que deve ser sustentável, respeitando os bens oferecidos pelo planeta como insumos para a produção’.
Perri deixou claro, entretanto, que a conferência não pode decidir as modificações, mas somente indicar o caminho, de maneira que a produção condicione um consumo também diferenciado. ‘Esse é um ponto essencial na percepção do que poderá vir da conferência. É uma revisão dos métodos de produção, dos critérios para qualificá-la e também do consumo’. Para o coordenador da Rio 92, a nova conferência da ONU tem de estabelecer um patamar que torne possível a sobrevivência do planeta, que tem hoje cerca de 7 bilhões de habitantes.
Ele disse que ao reconhecer e respeitar os limites do planeta, será mais fácil balizar a produção que devemos ou podemos tirar, em termos de bens e insumos oferecidos, para a nossa sobrevivência. ‘O que não é justo é que continuemos a explorar os insumos do planeta – minerais, animais e vegetais – em prejuízo de futuras gerações’, advertiu.
Esse é o novo modelo de ver a organização da sociedade. Isso significa também, apontou Perri, novas maneiras de articular as atividades dentro da sociedade, partindo dos governos e enviando mensagens à ação social. ‘Por aí, vamos chegar talvez a um documento que poderá ter impacto e que irá encerrar a conferência’.
Flavio Perri aposentou-se da diplomacia em 2009. Atualmente, é membro da Sociedade Nacional de Agricultura e da Academia Nacional de Agricultura.

Edição: Graça Adjuto
Agência Brasil – Todos os direitos reservado

terça-feira, 1 de maio de 2012

RIO+20 - UMA OPORTUNIDADE E UM AVANÇO


 Uma oportunidade e um avanço.


[abril de 2012]


A Conferência Rio+20 pode ser vítima dos equívocos de sua concepção. Convocada inicialmente como uma ocasião de celebração dos 20 anos da Rio92, nada nela seria atraente para conseguir-se a presença de Chefes de Estado e de Governo no Rio de Janeiro em junho próximo.
A realidade política entretanto traça seus próprios caminhos. Chefes de Estado e de Governo não se reúnem para um convescote, apenas para celebrar o passado. É da natureza do Poder ocupar espaços e criar fatos. Diante dessa constatação, a Rio+20 ganhou força e musculatura. Hoje, a 50 dias de sua realização, é já vista como uma oportunidade para pensar o futuro ousadamente.
 Não se ignore nesse processo de transformação da natureza mesma da conferência o extraordinário poder da opinião pública, que progressivamente se veio assenhoreando do evento, para criar seu próprio espaço. A sociedade civil ocupou-se de exibir suas convicções e a pressão que suas opiniões exercem sobre governos no mundo inteiro pode determinar novos rumos.
O extraordinário efeito-INTERNET fez de cada cidadão planetário um ator individual, capaz de emitir opiniões e ganhar adeptos, exibindo o zelo que tornou a questão do equilíbrio entre desenvolvimento e o planeta parte significativa da agenda entre Estados.
O que se constata recentemente é a necessidade de governos, empresários, empreendedores de prestar contas não apenas de suas atividades, no que afetam o dia-a-dia do cidadão, mas em particular o seu futuro. De repente o fenômeno surpreendente é constatar que a humanidade é uma constante que não deseja ter prazos para sua sobrevivência digna.
O que progressivamente torna-se uma verdade é que o antropocentrismo cede lugar a um conceito mais amplo que tende a incluir, na consciência e nas preocupações de cada cidadão e da sociedade, os seres vivos, sejam microscópicos sejam gigantes visíveis.
O planeta não é propriedade do “homo sapiens sapiens”, mas habitat em igualdade de condições de milhões de espécies. Os cuidados com os genes e sua diversidade alcança o cerne mesmo da vida e não é ignorado nem mesmo descuidado, se somos conscientes da inter-relação entre as espécies vivas, animais ou vegetais, e de sua vinculação estreita com o meio físico.
O ambientalismo viveu inicialmente das glórias do antropocentrismo. Ideologias e religiões ocuparam-se de assim caracterizar eticamente a ideia da proteção da natureza. Hoje em dia, a ciência, lado a lado com o conhecimento corriqueiro, indica-nos o entendimento da unidade entre seres vivos em um mesmo “enorme” ecossistema [nem tão grande assim, pois o planeta tem seus limites], que é o habitat de todos nós.
Devo recordar aqui os equívocos dos movimento ambientalistas, no início de sua expressão ao mundo, quando pretenderam atribuir personalidade jurídica a ecossistemas, a pedras e a seres vivos não humanos. O equívoco não esteve na equiparação de coisas diferentes, mas em querer tratá-las de maneira acadêmica, como atores num quadro jurídico criado para o ser humano. Só mais tarde, depois de batalhas jurídicas sem resultado, é que o conhecimento [a ciência] deu ao ser humano a consciência da unidade do planeta e de seus habitantes.
O “interesse do ser humano”  entendeu assim, em benefício próprio, que a Terra é como um ser vivo que sobreviverá apenas se tratada como um todo. A Gaia dos gregos clássicos ganhou o valor de conceito nos trabalhos e pregações de James Lovelock, um pioneiro.
A Conferência sobre Desenvolvimento Sustentável – Rio+ 20 – ocorre diante desse novo quadro. O equívoco inicial de apenas celebrar as conquistas importantes de sua predecessora no Rio, a Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, de 1992, está aparentemente corrigido, mas não deixou de estar presente nas atividades da burocracia internacional nem nas burocracias internas nos Estados.
A evolução da opinião, que já tocou recentemente a sensibilidade de negociadores engajados na preparação de um documento final de impacto por seus efeitos futuros, exige que se abandonem os setorialismos que caracterizaram a primeira fase tanto nos planos nacionais quando no internacional, para focalizar a necessidade de integrar todos os setores sob um só conceito, que aliás dá nome à Conferência, o desenvolvimento sustentável.
Tudo se relaciona, nada se exclui, parece dessa maneira reafirmado um cacoete de inspiração marxista, mas não se trata disso. A inter-relação entre todas e cada uma das partes é um imperativo de sobrevivência para tornar sustentáveis tanto o planeta quanto o desenvolvimento. Por isso, registro o valor do adjetivo sustentável como qualificativo do conceito de desenvolvimento.
Pela primeira vez um adjetivo acrescentou valor abrangente ao substantivo. Não se trata de desenvolvimento social ou de desenvolvimento econômico ou de desenvolvimento ambiental ou de desenvolvimento agrícola ou qualquer outro. Todos os adjetivos que se apuseram ao adjetivo desenvolvimento reduziram seu escopo. Pela primeira vez encontrou-se um adjetivo que tudo inclui e torna abrangente o processo de desenvolvimento.
Nem o desenvolvimento nem o planeta são sustentáveis senão em equilíbrio perfeito de interesses.
Dito isto, resta esperar que todas as partes presentes em junho no Rio de Janeiro entendam que  participam de uma ocasião única, da qual se espera um esforço de síntese para levar tudo o que já foi feito até hoje como esforços passados importantes, mas não mimetizáveis. Um novo compromisso, uma nova rota, “all inclusive”, deveria ser o resultado da Rio+20.
Abaixo os preconceitos ideológicos, fora os setorialismos [que se devem entender incluídos na síntese], o que a Rio+20 deve apresentar é uma rota para vencer interesses estabelecidos, seja dos vícios da (in)governança internacional e nacionais seja dos pecados de empreendedores de toda espécie.
A evolução do século XXI será determinante de nossa capacidade de sobreviver dignamente. Cuidemo-nos desde logo dos egoísmos particularistas, dos vícios da produção, dos excessos do consumo, do desperdício, da falta de consciência ética quanto a nossos descendentes. Estamos de passagem, não desprezemos por isso o que virá depois de nós.//

Flávio Miragaia Perri é Embaixador aposentado, foi Secretário Executivo do Grupo de Trabalho Nacional que organizou a Conferência do Rio em 1992, Secretário Nacional do Meio Ambiente, Presidente do Ibama, Secretário de Estado do Meio Ambiente no Rio de Janeiro. Em seu período como diplomata, atuou nas Nações Unidas em distintas Conferências e Assembleias Gerais.  Foi Embaixador juto à FAO [Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura].

RIO+20 - UMA CELEBRAÇÃO E UMA REFLEXÃO


Rio+20 , uma Conferência de celebração e reflexão.


[março de 2012]


Vinte anos são passados da já consagrada Rio-92, Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, cujas decisões moldaram ações importantes tanto no plano internacional quanto nacional.
A Rio 92
Os anos que antecederam 1992 foram anos de grande mobilização governamental no plano internacional. Não por acaso, cento e dezessete Chefes de Estado e de Governo vieram ao Rio para completarem instrumentos importantes negociados nos meses que imediatamente antecederam à reunião de cúpula.
Da Conferência emergiram convenções, declarações e métodos de trabalho que marcaram os tempos:
·         uma Convenção sobre o Clima, que se desdobrou no Protocolo de  Kioto e, desde a Conferência das Partes [CP18], realizada em Durban,  promete evoluir para um  Protocolo  de aceitação universal a ter efeito em 2020,  que estabeleça metas e regras obrigatórias para combater o fenômeno do aquecimento global;
·         uma Convenção sobre Biodiversidade,   ratificada por 118 Estados, que tem definido importantes marcos legais e políticos para orientarem a gestão da biodiversidade em todo o mundo;
·         uma Convenção sobre Desertificação,  cujos objetivos são “lutar contra a desertificação e minimizar os efeitos da seca, em cerca de 30% da superfície terrestre do planeta, afetando milhões de pessoas;
·         a Agenda 21, o principal documento de sentido prático produzido na RIO-92. Trata-se de um programa de ação que viabiliza novos padrões para um processo de desenvolvimento racional. A Agenda 21 procura conciliar métodos de proteção ambiental, justiça social e eficiência econômica, para aplicação local, nacional e planetária; 
·         uma Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, cujo objetivo foi estabelecer uma nova e justa parceria global por meio de novos planos de cooperação entre os Estados. Definiu princípios importantes para a ação do homem e em defesa do planeta.
De fato, a Conferência do Rio foi a culminância de um movimento discutido e sistematizado no Relatório Brundtland, de 1987, cujo centro motor seria reconhecer que o processo de desenvolvimento não dispensa consideração dos destinos do Planeta, dos seres vivos que o povoam e enriquecem, dos bens naturais e do agudo problema social advindo das desigualdades criadas dramaticamente por distintos regimes políticos e sistemas econômicos, tanto no plano nacional quando no plano internacional.
Naquela época o clamor internacional começava a se institucionalizar em organizações da sociedade civil, para enunciar suas preocupações, denunciar descalabros e desastres de forma crescentemente participativa.
A Rio + 20 [Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável]
Nos vinte anos que intermedeiam uma e outra conferência muito se evoluiu do ponto de vista da opinião pública e da mobilização de grupos de ação ambiental e social. A sua maneira e no seu ritmo, a empresa mobilizou-se em torno de medidas mitigadoras da poluição resultante dos processos de produção; tecnologias foram adotadas em produtos para torna-los menos daninhos ao meio ambiente.   Alguns conceitos enunciados em 1992 foram  definitivamente incorporados no consciente de homens e mulheres que se dedicaram a estudá-los e a aplicá-los. Houve progressivo avanço no plano internacional, com o esgalhamento de debates e ações em distintas organizações intergovernamentais.
O tempo estava maduro para que uma reunião de alto nível fosse convocada para celebrar os vinte anos passados e os desenvolvimentos havidos, mas especialmente para discutir medidas futuras eficientes e de maior impacto para encaminhar a evolução da vida no planeta.
Tenho procurado demonstrar em artigos que venho escrevendo para a excelente revista ECORIO 21 que o encontro de junho no Rio Centro terá por fulcro o conceito de desenvolvimento sustentável consagrado na Conferência do Rio, em 1992.
A comunidade internacional buscará na ocasião repensar o modelo de desenvolvimento que temos adotado quase universalmente, para enunciar formas e modos de encontrar o equilíbrio necessário entre necessidades humanas e o uso dos bens naturais, garantindo ao ser humano a dignidade perdida nas desigualdades históricas de uma sociedade humana injusta e indigna de suas conquistas. Não é possível continuar indiferente aos imensos bolsões de pobreza que condenam 1,2 bilhões de seres humanos a mais abjeta miséria. Se por um lado a consciência de homens e mulheres clama por uma ordem social mais justa, por outro não ignora os destinos do planeta de nove bilhões de seres humanos.
Trata-se de eliminar tanto a erosão e perda dos bens naturais quanto de sustentar o nível de desenvolvimento que ofereça ao ser humano dignidade. Ainda que tenha o ser humano como centro, a comunidade internacional não descuidará de questões que envolvam o planeta nem da emergência ética de pensar nos outros seres vivos, que garantem o equilíbrio do sistema planetário em sua biodiversidade. São matérias de convenções específicas que dispõem de foro próprio, mas a Rio+20 poderá significar um estímulo a avanços em todas as áreas.
 Há que trazer ao centro das discussões os bens da natureza, desgastados nos processos de produção, abusados em sua disponibilidade para futuras gerações. Seu uso e seu desgaste são valores a serem incorporados na contabilidade da produção e do consumo.
É tempo de repensar todo o processo de desenvolvimento através do novo conceito do desenvolvimento sustentável capaz de quebrar preconceitos e consensualmente modificar paradigmas.
A Rio+20 aconselhará e recomendará passos futuros em todos os planos, estabelecendo a direção e o modus faciendi de um novo modelo de desenvolvimento.

Flávio Miragaia Perri é Embaixador aposentado, foi Secretário Executivo do Grupo de Trabalho Nacional que organizou a Conferência do Rio em 1992, Secretário Nacional do Meio Ambiente [hoje Ministro], Presidente do Ibama, Secretário de Estado do Meio Ambiente no Rio de Janeiro.                                                                                         

A CONFERÊNCIA DO RIO E A ERRADICAÇÃO DA MISÉRIA E DA FOME


A Conferência Rio+5 e a erradicação da miséria e da fome.
[janeiro de 2012]

O Rio de Janeiro sediará em junho próximo a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável [Rio+20], convocada no mais alto nível para celebrar os 20 anos da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, ocorrida em 1992.
Tenho procurado demonstrar em artigos que venho escrevendo para a excelente revista ECORIO 21 que o encontro de junho no Rio Centro terá por centro de interesse o conceito de desenvolvimento sustentável enunciado pela primeira vez no Relatório Brundtland, em 1987, e consagrado a Conferência do Rio, em 1992.
Entendo que a comunidade internacional buscará na ocasião repensar o modelo de desenvolvimento que temos adotado quase universalmente, para enunciar formas e modos de encontrar o equilíbrio necessário entre necessidades humanas e o uso dos bens naturais, garantindo ao ser humano a dignidade perdida nas desigualdades e elevando o planeta e os bens da natureza, desgastados nos processos de produção, a valores a serem incorporados na contabilidade da produção e do consumo.
Trata-se de eliminar tanto a erosão e perda dos bens naturais quanto de sustentar o nível de desenvolvimento que ofereça ao ser humano conforto e dignidade. Ainda que tenha o ser humano como centro, a comunidade internacional não descuidará de questões que envolvam o planeta, como o tema do aquecimento global, nem da emergência ética de pensar nos outros seres vivos, que não o homem e a mulher, mas todos os que garantem o equilíbrio do sistema planetário em sua biodiversidade.  
É notável o destaque dado na agenda ao combate à miséria. Esse é tema universal, traz nobre inspiração e desdobramentos de ordem ética, é verdade, mas entra na agenda da Conferência pelo clamor das desigualdades que expõe. Não se escondam entretanto seus efeitos de viés econômico: a recuperação do ser humano de uma situação de miséria reintegra-o na sociedade tornando-o também um agente econômico.
Sob a ideia de sustentabilidade está, portanto, a premissa de entender o desenvolvimento como um processo de natureza econômica, sem lhe dar alcunhas, a exigir medidas e/ou correções de distorções de seu atual estágio. Trata de aprofundar e ampliar o alcance da ideia de sustentabilidade, como garante da continuidade do desenvolvimento em formas mais justas. O social e o ambiental compõem esse entendimento de justiça.

Há na origem do conceito do desenvolvimento sustentável uma original proposição ética, envolvendo uma responsabilidade intergeneracional, isto é, o aproveitamento que a humanidade fizesse em qualquer tempo dos bens naturais, “para atender às necessidades do presente” não deveria comprometer “a capacidade das gerações futuras de atenderem às suas próprias necessidades”.

Nesse contexto, seria presunção tentar enumerar os problemas que afetam a humanidade ou os males agudos do planeta, mas estou convencido de que a pobreza e a fome são os primeiros.  Não por acaso foram exaustivamente enunciados tanto nos princípios da Declaração do Rio, de 1992, quanto nos Objetivos do Milênio [ODMs], no ano 2000.
 São problemas estruturais.
A fome é a ponta mais aguda da pobreza extrema e atinge cerca de 1.2 bilhões de pessoas, em números crescentes. Percebemos que há algo equivocado no modelo adotado em todo mundo, hoje em sua etapa talvez mais dramática, que é a globalização agravada pelas crises do mundo desenvolvido, de um lado e de outro do Atlântico.
Para nos resumirmos ao essencial, no antropocentrismo talvez egoísta e excludente, o homem teria nascido e povoado a Terra para conquistar a natureza e dela produzir riquezas sobre riquezas voltado para a mediocridade do exclusivismo da meta de garantir, no instante, seu bem-estar.
É obscurecida a ideia mais que verdadeira de que os insumos que produzem o desenvolvimento são bens naturais, pertencentes tanto à humanidade, que com eles deve conviver harmonicamente em todas as épocas, quanto ao próprio planeta que se deve preservar para garantir o próprio desenvolvimento.
A meta exclusivamente antropocêntrica submete-se à ideia do progresso, que é buscado em horizonte sem limites. A racionalização da produção ignorou os efeitos perversos que engendra se aplicada mecanicamente, sem a preocupação de conhecer seus efeitos sociais, por exemplo, na produção industrial ou agrícola de alimentos em larga escala [e seu comércio], que têm por fundamento apenas a eficiência no mercado. 

 A função primordial da racionalização acaba sendo apenas a acumulação de riqueza expressa em valores financeiros ou monetários. É garantida pela posse de bens materiais. Nesse quadro, o sistema ignorou o futuro e deixou atrás o sentido do bem-estar original, que seria inicialmente satisfazer necessidades humanas básicas em todos os tempos, entre as quais está a alimentação como condição essencial à vida. Ignorou-se nele também a necessidade de respeitar os processos que envolvem o equilíbrio necessário à sobrevivência do planeta como conjunto equilibrado de seres vivos e fonte de insumos que produzem o desenvolvimento.
O homem é reduzido a consumidor e já não produz o que lhe é essencial, mas trabalha para realizar uma eficiência impessoal, sem objeto.
Trata-se de um jogo de permanente perda, em que o alimento passa a ser um produto posto no mercado como outro qualquer, sujeito a regras que nada têm a ver com sua razão de ser original. 

Serei talvez verdadeiro se disser que o processo de desenvolvimento resultante majoritário na sociedade planetária atual traz defeitos graves de concepção.
Socorro-me de Norberto Bobbio, o grande pensador italiano, um insatisfeito tanto do capitalismo arrogante quanto de um socialismo incapaz de realizar suas promessas. Discute em sua obra o problema da desigualdade não resolvido pelos modelos teóricos,  de que trata nos ensaios recolhidos em “Utopia Capovolta” (Utopia Subvertida) e que permanece “em toda sua gravidade e insuportabilidade” na questão social interna de Estados singulares e dramatiza-se nas relações internacionais que opõem a sociedade dos dois terços (a do mundo desenvolvido) às sociedades dos “quatro-quintos ou dos nove-décimos”, onde a realidade não é a abundância, mas a miséria.
Para tentar fazer entender o sentido do desenvolvimento sustentável e sua relação com a miséria e a fome, gostaria de assinalar como premissa que a fome não é apenas uma questão humanitária. O debate deve trilhar dois caminhos, um [1] primeiro, imediato, de motivações éticas, limitado “aos que têm fome e têm pressa”(Betinho), e um [2] segundo, mediato, que toca a mudanças estruturais necessárias e coloca o combate à fome e à miséria como um capítulo dramático do processo de desenvolvimento, enquanto corrige um problema ético e eleva o destituído, aquele que é vítima da miséria, a agente econômico.
Tal como o fez o Princípio Quinto da Declaração do Rio e a Primeira das Metas do Milênio, na Declaração do Milênio, a Conferência Rio+20 elege os contextos do “desenvolvimento sustentável e erradicação da pobreza” como centrais a suas deliberações. A fome [ou a garantia à segurança nutricional] é capítulo conceitualmente central na questão da erradicação da miséria.
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Flávio Miragaia Perri é Embaixador aposentado, foi Secretário Executivo do Grupo de Trabalho Nacional que organizou a Conferência do Rio em 1992, Secretário Nacional do Meio Ambiente [hoje Ministro], Presidente do Ibama, Secretário de Estado do Meio Ambiente no Rio de Janeiro.