A Amazônia, as queimadas e o Presidente.
Talvez ontem, sexta-feira, dia 23 de agosto, tenhamos assistido
a primeira manifestação racional e coerente do
Presidente desde que assumiu.
Foi um discurso sucinto, mas que abordou com clareza sua
política ambiental para a floresta Amazônica, incluindo nela os crimes
ambientais. Apresentou sua positiva nova percepção ambiental e integrou-a na
perspectiva humano-social.
Tratou de Amazônia como área de soberania nacional, como devia,
mas admitiu que devesse envolver a vasta floresta de 6,3 milhões de hectares,
associando populações (cerca de 20 milhões de pessoas), governos de Estado e a
União num esforço comum de combate ao desmatamento ilegal, às queimadas
sazonais, a atos criminosos e ao desenvolvimento, com sustentabilidade
ambiental.
Uma política de “comando e controle não basta”, assinalou.
Expressou-se em tom exaltado em defesa de suas providências
adotadas para proteção da Amazônia, sem deixar de registrar que não cabem
medidas de retaliação internacional contra produtos brasileiros por conta das
queimadas, “que acontecem por toda parte”.
Racionalmente assumiu seu papel de Presidente da República, em
linguagem adequada, e não expôs opiniões agressivas como vinha fazendo
recentemente contra países parceiros tradicionais e importantes consumidores de
produtos brasileiros, especialmente oriundos da agricultura moderna e da
extraordinária pecuária que é a nossa.
Aprendeu, suponho e espero, diante da mais grave crise
internacional contra os interesses brasileiros, imagem, economia e comércio.
O mundo globalizado não vai mudar por instâncias brasileiras, o
tema ambiental está indissoluvelmente ligado às posições e decisões de Governos
no plano internacional, e as políticas brasileiras, interna ou externa, não mudarão
essa realidade.
É preciso ter consciência de que não temos o Poder dos EUA, para
confrontar-nos com o mundo e sair incólumes (talvez nem mais os EUA o tenham).
Podemos tirar dessa globalização o bônus de nossa influência, se
soubermos trabalhar diplomaticamente de forma coerente nos planos bilateral e
multilateral. Temos passado de bom desempenho, até mesmo ditando caminhos, como
o fizemos afirmando um projeto nacional de contribuição para o maior controle
do clima no planeta, dentro do foro do Acordo de Paris. Tudo o que prometemos
nesse contexto está ao alcance do país fazer. Nós formulamos nosso projeto e o
vimos aceito pela comunidade internacional.
Obtivemos liderança nisso.
A Amazônia não deve ser apenas vista e defendida contra alguma
forma de “cobiça” internacional, a Amazônia é nosso dever soberano diante do
mundo.
É sabida a importância dessa imensa massa florestal/fluvial
biodiversa, que é compartilhada por nove países, entre os quais detemos a maior
parte, para o equilíbrio natural do planeta. A Amazônia produz água, rios
voadores, que abastece amplas regiões da América do Sul e a si própria, ventos
e correntes, sem os quais sucumbiremos todos.
O país é líder na produção agrícola e na pecuária, cujos
produtos abastecem o mundo. Essa liderança se deve à capacidade de gestão de
produtores que entenderam o conceito de produtividade. Crescemos nos espaços
imensos que já dispomos para agricultura e pecuária e que podem ainda produzir
mais com a tecnologia que viemos desenvolvendo, muitas vezes com o apoio
científico e tecnológico da EMBRAPA, organização reconhecida internacionalmente
por seus feitos.
Por isso mesmo, no avesso da preocupação ambiental com a
Amazônia, alguns países concorrentes, também produtores (agricultura e
pecuária), manifestam-se, vigilantes, contra nossa produção e a criticam como
se destruíssemos a floresta para aumentar nossa capacidade produtiva.
Por isso mesmo devemos zelar por nossa presença soberana sobre a
floresta, porque é nossa e porque não devemos facilitar aventureiros que a
desmatem para ganhos adicionais na produção, sem tecnologia. Respondemos
interna e internacionalmente por esse zelo.
Dispomos de um Código Florestal amplamente discutido e aprovado
há poucos anos, que estabelece os parâmetros para nosso dever de casa. É
satisfatório e moderno.
Por sua vez, a biodiversidade da Amazônia há de ser melhor
conhecida pelo estímulo à pesquisa científica e identificação de espécies
(vegetais e animais) que possam ser aproveitadas economicamente, de maneira
sustentável, para se transformarem em riqueza efetiva. Nenhum país do mundo tem
esse potencial.
A questão da riqueza do subsolo será mais complexa, pois sua
exploração há-de ser regulamentada e fiscalizada rigorosamente, para não
produzir danos irreparáveis nas áreas em que poderá ocorrer.
O ser humano na floresta é consideração que não pode deixar de
ser feita: o homem é sujeito de direitos e obrigações e é central na tarefa de
todos os Governos. Aqueles que vivem na floresta são poucos e isolados, mas
conhecem-lhe os segredos e as regras de sobrevivência, índios ou não. São
agentes do conhecimento que devemos buscar, protetiva e planejadamente.
Organizações Não-Governamentais devidamente constituídas e com
tarefas bem determinadas são instrumentos indispensáveis, auxiliares do
Governo, e as há financiáveis, ínclusive internacionalmente, e com objetivos
meritórios. Que as conclamemos para atividades definidas em contexto de regras
claras republicanas.
Otimistamente, eu diria que um estilo impróprio até ontem
adotado por Bolsonaro foi vencido pela realidade. O Presidente reagiu a seus
instintos e apresentou-se como representante da Nação.
Rio, 24 de agosto de 2019.
Flávio Miragaia Perri