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domingo, 8 de agosto de 2010

UMA HISTÓRIA SOBRE UM ANÜNCIO NA NET



De um anúncio na NET:

“COROAQUERJOVEM [até 38 anos] - 60a, discreto. Sou feliz sozinho,não quero nada nem espero mais carinho. Amor nem falar...ninguém sabe amar, querem sexo. Não tenho preconceito de cor, de raça, de sexo, curto tudo, desde que sejam limpos. Não procuro, já procurei e tive, mas em plena carência que não sinto mais. Estou aqui sem esperar. Alguém deve vir”.

Fui um homem como outro qualquer. Vivi encantos e desencantos, hoje sou um anúncio na NET em busca de um personagem. Encontrei um autor e contei-lhe minha história que agora se transforma em conto talvez literário sob a pena segura de um homem que sabe o que faz. Eis:

***

Descobrira que não era um menino como os demais aos sete anos de idade, quando Felipe, um primo de doze anos, chegou para passar uns dias em casa. Era bonito, olhos azuis, cabelos loiros, grande, muito maior do que eu, forte e decidido. Jogava futebol e falava das primas que moravam vizinhas como se soubesse que elas não resistiriam a sua beleza e safadeza.

Chegou no carro do pai fingindo que dirigia, sentado no colo de Tônio, um tio moderno. Chegou vitorioso como um guerreiro que vence sua primeira batalha. Entrou correndo em casa carregando uma bola de futebol em couro, tamanho oficial, foi direto ao quintal e desferiu um petardo certeiro em cima da primeira galinha que se descuidou sem perceber que chegara Átila, o rei dos Hunos. Subiu na mangueira alta, sacudiu uns galhos e derrubou mangas maduras, desceu, recolheu duas e numa delas deu uma mordida para expor a carne amarela e suculenta que chupou depois de bater muitas vezes a manga sobre uma pedra. Deu a outra para mim que, perplexo, via chegar aquele furacão loiro. Pela primeira vez admirei com interesse suas pernas fortes e macias, brancas, apertadas por um calçãozinho azul que fazia sobressair um volume do lado esquerdo. Olhei curioso e atento para as pernas e para o volume que sobressaía.

Sem me esperar, pulou o muro de um salto e foi à casa da vizinha Tereza, gritando o nome das primas: “- Lilita! Mariza, cheguei!”

As meninas vieram correndo para o quintal. Quando cheguei, dando a volta pela entrada da casa, elas já estavam lá extasiadas com o primo. Nem me notaram, ignoraram meus gritos para chamar-lhes a atenção e continuaram com Felipe a falar de coisas que eu não entendia. Lilita tinha então 10 anos e Mariza, doze, já taludinha, com uns carocinhos nos mamilos que anunciavam os peitinhos.

Nem liguei para elas e sentei-me sobre uma pedra no meio do quintal onde algumas galinhas ciscavam e corriam, sujando o chão poeirento com “caca”, como dizia minha mãe.

Felipe exultava com as primas, segurava a mão de Lilita e a puxava para um lado, enquanto agarrava Mariza pela cintura, desafiando-a a soltar-se. Tinha força, era parrudo, talvez um pouco gordo para os padrões de hoje, mas forte.

As meninas estavam encantadas, cercavam-no de todas as atenções e demonstravam claramente que me ignoravam. Pensei comigo que eu era ainda uma criança e que Felipe começava a parecer um rapazinho.

Fui para casa de volta algo frustrado e encontrei minha mãe protetora que me consolou, pôs-me no colo dizendo que Felipe era mal educado e que eu era o bom menino dela. Apresentou-me a uma amiga, elogiando meu comportamento educado, convidou-me a sentar no sofá e deu-me biscoitos. Eu ouvi tudo aquilo com desconfiança, achei-me bobo e despreparado e pensei em Felipe. “- Ah! Como gostaria de ser como ele!”

Na tarde daquele dia sofri meu segundo revés na comparação com Felipe, quando chegou meu pai e achou graça em tudo que ele fazia, conversou, tratando-o como homem e elogiou seu “muque", que o machinho exibicionista fazia maior contraindo os braços em forma de “L”, punhos fechados, vaidoso. Sem dar muita bola a meu pai, Felipe deixou a sala urrando palavrões enquanto meu pai achava graça. Eu fiquei ali do lado esperando atenções que não vieram.

Não tardou a hora do jantar em que todos sentados à mesa ouvimos Tônio contar as últimas proezas de seu rebento e eu olhava tudo com desconfiança porque meu pai não me citava nem me dava chance de falar. Quando eu tentei dizer que Felipe conseguira mangas deliciosas [eu também chupara uma delas], meu pai pediu-me que não interrompesse Tereza, a vizinha, que também jantava conosco e começava a falar alguma coisa sem interesse sobre a igreja de domingo.

À noite fomos dormir e Felipe foi para meu quarto, dividindo comigo a mesma cama, um na cabeceira e outro nos pés. Senti-me algo intimidado porque ele era grande. Mais envergonhado fiquei quando ele trocou de roupa e mostrou-se nu, segurando o saco com as duas mãos e rindo de meu pijama vermelho de bolinhas brancas. Vestiu um calção sem sunga e enfiou-se debaixo das cobertas numa noite fria. Eu deitei-me tímido no canto, mas logo senti o calor e a força de suas pernas tocando as minhas. Encolhi-me, afastei-me delas, mas percebi depois de alguns minutos de que não pensava em outra coisa, senão no momento em que ele me tocasse de novo de alguma maneira.

A noite foi longa e de sobressaltos, mas muito excitante a cada vez que os pés de Felipe tocavam-me o braço ou as mãos. Tinha um pé grande e gordo, lembro-me até hoje da unha rachada do dedo maior, que ele me contou ter machucado numa partida de futebol sem chuteiras no seu colégio. Acordei querendo ver Felipe trocar de roupa e fiquei como que distraído num canto esperando o momento em que ele tirasse o calção.

Passaram-se os dias e ele se foi. No tempo que ficou em casa, todas as noites eu queria logo ir para a cama, para tê-lo perto de mim. Por duas tardes insisti em ficar no banheiro quando ele tomava banho e notei com curiosidade que em torno do perú havia uma penugem escura. Ele passava sabão todo em volta fazendo uma espuma branca densa e depois enxaguava longamente.

Hoje sei que sentia prazer naquilo e acredito que seu prazer era ainda maior porque me sabia curioso e tímido.

O tempo passou e eu já adolescente ainda me lembrava de Felipe naqueles dias [e ele já estava na universidade, adiantado, mas aluno desatento, ainda que inteligente]. Morávamos na mesma cidade e eu ainda preparava-me para entrar na universidade. Segui sua evolução de sucesso, grande esportista: futebol, natação, volley. Ficou alto de 1,89m e manteve as coxas grossas de menino, só que com pelos. Eu adorava assistí-lo jogar, especialmente futebol e volley, torcia por ele, fazia parte da torcida, agitava a flâmula da escola e gritava Ipe! Ipe! Ipe! Eu era como muitos, especialmente as meninas, seu fã, mas excedia-me em adorá-lo. Faria qualquer coisa por ele!

Fomos para casa juntos um dia à tarde e Felipe deu-me atenção inusitada. Conversou muito sobre futebol e tocou pela primeira vez em sexo, para contar-me suas aventuras com as meninas que o assediavam. Pudera! Ele era um belíssimo rapaz de 20 anos [eu tinha então 16]. Perguntou-me se eu já tivera uma namorada e discutiu comigo o que as meninas gostavam que fizéssemos. Falou de passar-lhes a mão nas coxas, foi sem vergonha ao mencionar o prazer que lhes dava tocar-lhes os seios em formação e contou-me algumas de suas aventuras sexuais em que comera esta ou aquela no fundo da quadra, atrás dos vestiários, ou que levara uma para o banheiro do clube em dias de festa.

Eu o escutava atento e admirado, foi meu modelo nunca modelado. Sua virilidade atraía-me e amedrontava, pois eu não era capaz; sua beleza física excitava-me e os espelhos desiludiam-me. Fugi sistematicamente da vida natural. Não fui capaz de contar-lhe que nunca havia saído com uma menina e que minha primeira namorada não passara de furtivos olhares em festas e na entrada dos cinemas de sábado.

Confesso meu complexo de inferioridade: senti-me o último dos rapazes!

Passei a evitá-lo para não confessar minha fraqueza pouco viril no contato com as meninas. Afastei-me dele frustrado e humilhado por mim mesmo.

Em casa, a situação não ajudava: meu pai era um homem autoritário e severo, minha mãe, uma pobre professora carinhosa, mas muito maltratada no casamento. Todo mundo sabia que meu pai tinha amantes e ela submetia-se a suas exigências de horários para tudo e casa organizada. Não se davam bem.

Uma noite que meu pai chegou tarde percebi que minha mãe chorava baixinho na cama e tive pena dela. Fui a seu quarto e sentei-me ao lado da cama segurando-lhe as mãos, perguntei o que havia e ela respondeu-me entre soluços que não era nada, que me despreocupasse, que passaria o mal estar logo, mas que continuasse com ela. Fiquei longo tempo alí a seu lado até que ela adormeceu. Com receio de que voltasse a sentir-se mal, deitei-me a seu lado e adormeci também. Foi uma noite longa em que me senti importante por haver podido apoiar minha mãe tão carinhosa numa crise importante. Ao acordar ela já se havia levantado e preparado a mesa do café, que tomamos juntos.

Não tardou e veio a tempestade com a chegada de meu pai, arrogante em suas exigências e desatento às perguntas humildes da mulher sobre onde tinha passado a noite. Lembro-me bem, foi direto ao quarto, recolheu algumas camisas e roupas diversas, entulhou tudo em uma pequena mala e anunciou que iria viajar. Senti que minha mãe pressentia o desfecho e a vi humilhada recolher-se ao quarto para chorar mais enquanto ele se foi. Para sempre. Nunca mais voltou nem dele tive notícia.

Tornei-me companheiro de minha mãe, suas amigas davam-me muita atençao e julgavam-me bem. Eu era um rapaz educado. Já nesse tempo estava bem adiantado nas minhas aulas de violino, que toquei sempre bem, sem ser um virtuose. Costuma tocar para o grupo de senhoras quando vinham para o chá em casa, conseguia agradar com peças mais simples de Mozart. Não tocava peças populares, não tinha o dom de tirá-las nem o instrumento ajudava nem havia pautas disponíveis à venda que me facilitassem essa proesa.

Olhava o mundo com desconfiança, pois continuava tímido e custava a sentir-me à vontade no ambiente jovem. Tinha então um único amigo com quem conversar, conhecíamos os mesmos temas, usualmente música e artes, falávamos de tudo ainda que Mateus fosse ligeiramente mais velho que eu. Foi Mateus quem me chamou a atenção para a anomalia de meu comportamento um dia, quando discutíamos cinema e famos sobre “Morte em Veneza”, essa obra prima de Visconti, em que Gustav agoniza sua paixão senil por um adolescente com quem não tem contato num hotel de luxo na riviera do Lido, em Veneza.

De fato, não namorara jamais, tinha amigas distantes por quem nutria simpatia difusa, não as citava nem as admirava. Esse comportamento fez meu amigo notar com uma certa amargura crítica que eu era um homem fora do mundo. Não construíra meu destino voluntariamente, mas o que obtivera certamente me oprimia.

Recordo-me de Fernando Pessoa e sua sabedoria poética nesse passo, quando canta que

“...acima dos Deuses o Destino. É calmo e inexorável...”

Para falar da inevitabilidade do fado

...”um fado voluntário/que quando nos oprima nós sejamos/ esse que nos oprime,/ e quando entremos pela noite dentro/ por nosso pé entremos.”//

Fui solitário por opção, construí-me dentro de mim com meus preconceitos e liberdades,fugi do mundo porque o temi e meu mundo foi criado por Felipe e sua virilidade bonita, por minha mãe sofredora e presente, por meu pai exilado, arrogante e cruel. Entrei em minha noite pelos meus pés e nela me encontro, a ninguém culpo. Fui eu mesmo quem trilhou o caminho e nele estou sem culpa consciente sem culpados, cansado hoje de tudo que longamente vivi na euforia de momentos de gôzo, na felicidade falsa da solidão, no isolamento egoísta da timidez sem causa, na minha impotência diante de tudo.

Hoje quero um jovem viril como Felipe, ousado e firme que me domine, preciso dessa força como do ar que respiro, sinto-me protegido e reconfortado quando alguém se interessa por mim. Os anos passaram e a juventude ficou atrás impiedosamente depois que deixou de parecer eterna, perdi a beleza de meu corpo hígido, ganhei as cicatrizes do tempo e fui abandonado pelos que me aceitaram na esquina episódica da vida.

Não me recordo com quantos aventurei-me nem quantos passaram por minha cama e penetraram meu corpo, não os conto às centenas, mas ultrapasso o milhar na medida do desconforto que sinto a cada dia por nenhum ter significado afeto real que perdurasse. Mudei de parceiros tantas vezes quantas me despi, jamais consegui vestir-me na nudez a que expus meu sexo, fui fêmea sem os atributos da fêmea, não engravidei, não tive filhos, não conservei um companheiro para seguir meus passos na idade madura em que estou.

Temo a velhice. Quantas vezes só, quantas vezes doente desejei alguém que me oferecesse um chá, quantas flores imaginárias perdi sem ornamentar os vasos de minhas casas vazias, quantas idéias sem interlocutores!

Estou só no meu desconsolo e espero um jovem que me venha dar alguns minutos de sua presença. Pago por eles, custam-me caro e sobrecarregam meu orçamento, mas pelo menos tenho-os quando me lambuzo no seu esperma quente. Com outra consciência e outra perspectiva colhi flores de outra espécie no passado, hoje sem nenhum perfume, nesse desassossego do que é a lembrança do que fui e o drama de pensar naquilo que não fui e que jamais saberei reconstruir na impossibilidade filosófica do que poderia ter sido e não foi.

Londres, março de 2008.

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