Minha despedida da carreira diplomática, 2008
[transcrição de telegrama enviado à Secretaria de Estado
desde o Consulado Geral em Londres,
no dia da partida para o Brasil]
Deixo
Londres com o sabor da missão cumprida. Volto ao Brasil às vésperas de minha
retirada final da carreira.
O
Consulado Geral é um novo consulado: funcional, aberto, equipado. Transformou-se,
cuidadosa e experimentalmente, no que pode vir a ser: um consulado modelo,
capaz de atender as demandas do crescente número de cidadãos que escolheu o
Reino Unido como seu destino de trabalho e vida. Os instrumentos estão dados,
falta-lhe o retoque que o futuro dará.
Este
terá sido meu ultimo posto no exterior. Enquanto lugar onde realizar a nobre e
muitas vezes esquecida missão consular o posto em Londres ofereceu-me o desafio
de não parar antes do tempo. Foi período árduo de criação física, de
erradicação de hábitos, de negociação juridica e de engenharia functional;
simultaneamente, refundou os conceitos de assistência e proteção do brasileiro
expatriado no Reino Unido.
Há
anos, fora Cônsul Geral em Nova York, em tarefa apenas aparentemente semelhante
à de Londres. Mais abrangente e localizada em aglomerado humano mais dinâmico e
criativo, o consulado em Nova York ofereceu o mesmo desafio da refundação, mas
a imensa oportunidade de fazer comércio, promover cultura, difundir imagem e
conviver com a empresa, já intensamente vivendo o contato com a comunidade
emigrada.
Em
Roma, como Representante Permanente junto à FAO, FIDA e PMA, retomei a
experiência multilateral com a consciência de representar um país renovado em
sua inventiva capacidade de projetar, com vigorosa liderança, os conceitos
paralelos do combate à fome e à pobreza. Tratei então da questão do
desenvolvimento e de todo seu abrangente séquito de prioridades. Conduzi o
processo de análise e revisão da própria estrutura da FAO. Foram anos em que
meu Governo abriu-me a oportunidade de reafirmação profissional e liderança.
Foi
muito o que recebi de minha Casa. Fiz dela o centro de uma profissão tensa na
vivência do instante. Tive a consciência de cada momento e de sua projeção no
tempo. O universo de matérias que profissionalmente me foram propostas é hoje
meu passado e dele tenho o registro de memória.
Existo
como sou porque o Itamaraty mo permitiu.
Aprendi
na prática a aplicar conceitos que me foram burilados no Instituto Rio-Branco.
Conheci personalidades e pessoas que me enriqueceram a visão de mundo; admirei
o trabalho de diplomatas brasileiros e estrangeiros na tecitura de sustentação
do ideal de Paz na trincheira do necessário desenvolvimento. Ombreei-me com
muitos nessa tarefa incessante.
“...recordo-me de meus amigos
poucos
mas os tenho comigo
muito!”
O
somatório alimentou-me a segurança de que em minha Casa pensamos e sentimos
este país muito maior do que nós mesmos, rochedo que ajudamos a lapidar, a cada
lasca produzindo um mundo novo.
Estive
por vezes longe da Casa, mas a missão tomou-me cada instante para definir a
vida inteira. Fiz de tudo e a diversidade da formação diplomática tornou-me
capaz de sentir-me bem em outros escalões, fora da Casa.
Tudo
foi Brasil e sua gente.
Dei
o melhor de mim e com essa convicção ganhei a liberdade de escrever este
telegrama dirigido a meus colegas mais jovens, como eles pleno de esperança no
país que somos, não com os olhos míopes das coisas próximas, mas a esperança
mesma em seu conjunto com olhos de ver tudo e o futuro.
Como
no conselho de Pessoa, colho o dia, porque sou ele.
Londres,
15 de novembro de 2008.
Querido Flavio,li e gostei,não sei escrever como você,mais sei sentir no coração o que foi dito beijos!Lourdinha
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