Uma oportunidade e um avanço.
[abril de 2012]
A Conferência Rio+20 pode ser vítima dos equívocos de sua
concepção. Convocada inicialmente como uma ocasião de celebração dos 20 anos da
Rio92, nada nela seria atraente para conseguir-se a presença de Chefes de
Estado e de Governo no Rio de Janeiro em junho próximo.
A realidade política entretanto traça seus próprios
caminhos. Chefes de Estado e de Governo não se reúnem para um convescote,
apenas para celebrar o passado. É da natureza do Poder ocupar espaços e criar
fatos. Diante dessa constatação, a Rio+20 ganhou força e musculatura. Hoje, a
50 dias de sua realização, é já vista como uma oportunidade para pensar o
futuro ousadamente.
Não se ignore nesse
processo de transformação da natureza mesma da conferência o extraordinário
poder da opinião pública, que progressivamente se veio assenhoreando do evento,
para criar seu próprio espaço. A sociedade civil ocupou-se de exibir suas
convicções e a pressão que suas opiniões exercem sobre governos no mundo
inteiro pode determinar novos rumos.
O extraordinário efeito-INTERNET fez de cada cidadão
planetário um ator individual, capaz de emitir opiniões e ganhar adeptos,
exibindo o zelo que tornou a questão do equilíbrio entre desenvolvimento e o planeta
parte significativa da agenda entre Estados.
O que se constata recentemente é a necessidade de governos,
empresários, empreendedores de prestar contas não apenas de suas atividades, no
que afetam o dia-a-dia do cidadão, mas em particular o seu futuro. De repente o
fenômeno surpreendente é constatar que a humanidade é uma constante que não
deseja ter prazos para sua sobrevivência digna.
O que progressivamente torna-se uma verdade é que o
antropocentrismo cede lugar a um conceito mais amplo que tende a incluir, na
consciência e nas preocupações de cada cidadão e da sociedade, os seres vivos,
sejam microscópicos sejam gigantes visíveis.
O planeta não é propriedade do “homo sapiens sapiens”, mas habitat
em igualdade de condições de milhões de espécies. Os cuidados com os genes e sua diversidade alcança o cerne
mesmo da vida e não é ignorado nem mesmo descuidado, se somos conscientes da
inter-relação entre as espécies vivas, animais ou vegetais, e de sua vinculação
estreita com o meio físico.
O ambientalismo viveu inicialmente das glórias do
antropocentrismo. Ideologias e religiões ocuparam-se de assim caracterizar
eticamente a ideia da proteção da natureza. Hoje em dia, a ciência, lado a lado
com o conhecimento corriqueiro, indica-nos o entendimento da unidade entre
seres vivos em um mesmo “enorme” ecossistema [nem tão grande assim, pois o
planeta tem seus limites], que é o habitat
de todos nós.
Devo recordar aqui os equívocos dos movimento ambientalistas,
no início de sua expressão ao mundo, quando pretenderam atribuir personalidade
jurídica a ecossistemas, a pedras e a seres vivos não humanos. O equívoco não
esteve na equiparação de coisas diferentes, mas em querer tratá-las de maneira
acadêmica, como atores num quadro jurídico criado para o ser humano. Só mais
tarde, depois de batalhas jurídicas sem resultado, é que o conhecimento [a
ciência] deu ao ser humano a consciência da unidade do planeta e de seus
habitantes.
O “interesse do ser humano” entendeu assim, em benefício próprio, que a
Terra é como um ser vivo que sobreviverá apenas se tratada como um todo. A Gaia dos gregos clássicos ganhou o valor
de conceito nos trabalhos e pregações de James Lovelock, um pioneiro.
A Conferência sobre Desenvolvimento Sustentável – Rio+ 20 –
ocorre diante desse novo quadro. O equívoco inicial de apenas celebrar as
conquistas importantes de sua predecessora no Rio, a Conferência sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento, de 1992, está aparentemente corrigido, mas não
deixou de estar presente nas atividades da burocracia internacional nem nas
burocracias internas nos Estados.
A evolução da opinião, que já tocou recentemente a
sensibilidade de negociadores engajados na preparação de um documento final de
impacto por seus efeitos futuros, exige que se abandonem os setorialismos que
caracterizaram a primeira fase tanto nos planos nacionais quando no
internacional, para focalizar a necessidade de integrar todos os setores sob um
só conceito, que aliás dá nome à Conferência, o desenvolvimento sustentável.
Tudo se relaciona, nada se exclui, parece dessa maneira reafirmado
um cacoete de inspiração marxista, mas não se trata disso. A inter-relação
entre todas e cada uma das partes é um imperativo de sobrevivência para tornar
sustentáveis tanto o planeta quanto o desenvolvimento. Por isso, registro o
valor do adjetivo sustentável como qualificativo do conceito de
desenvolvimento.
Pela primeira vez um adjetivo acrescentou valor abrangente
ao substantivo. Não se trata de desenvolvimento social ou de desenvolvimento
econômico ou de desenvolvimento ambiental ou de desenvolvimento agrícola ou
qualquer outro. Todos os adjetivos que se apuseram ao adjetivo desenvolvimento reduziram seu escopo.
Pela primeira vez encontrou-se um adjetivo que tudo inclui e torna abrangente o
processo de desenvolvimento.
Nem o desenvolvimento nem o planeta são sustentáveis senão
em equilíbrio perfeito de interesses.
Dito isto, resta esperar que todas as partes presentes em
junho no Rio de Janeiro entendam que
participam de uma ocasião única, da qual se espera um esforço de síntese
para levar tudo o que já foi feito até hoje como esforços passados importantes,
mas não mimetizáveis. Um novo compromisso, uma nova rota, “all inclusive”,
deveria ser o resultado da Rio+20.
Abaixo os preconceitos ideológicos, fora os setorialismos
[que se devem entender incluídos na síntese], o que a Rio+20 deve apresentar é
uma rota para vencer interesses estabelecidos, seja dos vícios da
(in)governança internacional e nacionais seja dos pecados de empreendedores de
toda espécie.
A evolução do século XXI será determinante de nossa
capacidade de sobreviver dignamente. Cuidemo-nos desde logo dos egoísmos
particularistas, dos vícios da produção, dos excessos do consumo, do desperdício,
da falta de consciência ética quanto a nossos descendentes. Estamos de
passagem, não desprezemos por isso o que virá depois de nós.//
Flávio
Miragaia Perri é Embaixador aposentado, foi Secretário Executivo do Grupo de
Trabalho Nacional que organizou a Conferência do Rio em 1992, Secretário
Nacional do Meio Ambiente, Presidente do Ibama, Secretário de Estado do Meio
Ambiente no Rio de Janeiro. Em seu período como diplomata, atuou nas Nações
Unidas em distintas Conferências e Assembleias Gerais. Foi Embaixador juto à FAO [Organização das
Nações Unidas para Alimentação e Agricultura].
Com este comentário apenas testo a funcionalidade do instrumento.
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