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quarta-feira, 18 de abril de 2012

DESPEDIDA DA CARREIRA DIPLOMÁTICA



Minha despedida da carreira diplomática, 2008

 [transcrição de  telegrama enviado à Secretaria de Estado 
desde o Consulado Geral em Londres, 
no dia da partida para o Brasil]




Deixo Londres com o sabor da missão cumprida. Volto ao Brasil às vésperas de minha retirada final da carreira.
O Consulado Geral é um novo consulado: funcional, aberto, equipado. Transformou-se, cuidadosa e experimentalmente, no que pode vir a ser: um consulado modelo, capaz de atender as demandas do crescente número de cidadãos que escolheu o Reino Unido como seu destino de trabalho e vida. Os instrumentos estão dados, falta-lhe o retoque que o futuro dará.
Este terá sido meu ultimo posto no exterior. Enquanto lugar onde realizar a nobre e muitas vezes esquecida missão consular o posto em Londres ofereceu-me o desafio de não parar antes do tempo. Foi período árduo de criação física, de erradicação de hábitos, de negociação juridica e de engenharia functional; simultaneamente, refundou os conceitos de assistência e proteção do brasileiro expatriado no Reino Unido.
Há anos, fora Cônsul Geral em Nova York, em tarefa apenas aparentemente semelhante à de Londres. Mais abrangente e localizada em aglomerado humano mais dinâmico e criativo, o consulado em Nova York ofereceu o mesmo desafio da refundação, mas a imensa oportunidade de fazer comércio, promover cultura, difundir imagem e conviver com a empresa, já intensamente vivendo o contato com a comunidade emigrada.
Em Roma, como Representante Permanente junto à FAO, FIDA e PMA, retomei a experiência multilateral com a consciência de representar um país renovado em sua inventiva capacidade de projetar, com vigorosa liderança, os conceitos paralelos do combate à fome e à pobreza. Tratei então da questão do desenvolvimento e de todo seu abrangente séquito de prioridades. Conduzi o processo de análise e revisão da própria estrutura da FAO. Foram anos em que meu Governo abriu-me a oportunidade de reafirmação profissional e liderança. 
Foi muito o que recebi de minha Casa. Fiz dela o centro de uma profissão tensa na vivência do instante. Tive a consciência de cada momento e de sua projeção no tempo. O universo de matérias que profissionalmente me foram propostas é hoje meu passado e dele tenho o registro de memória.
Existo como sou porque o Itamaraty mo permitiu.
Aprendi na prática a aplicar conceitos que me foram burilados no Instituto Rio-Branco. Conheci personalidades e pessoas que me enriqueceram a visão de mundo; admirei o trabalho de diplomatas brasileiros e estrangeiros na tecitura de sustentação do ideal de Paz na trincheira do necessário desenvolvimento. Ombreei-me com muitos nessa tarefa incessante. 
“...recordo-me de meus amigos
poucos
mas os tenho comigo
muito!”
O somatório alimentou-me a segurança de que em minha Casa pensamos e sentimos este país muito maior do que nós mesmos, rochedo que ajudamos a lapidar, a cada lasca produzindo um mundo novo.
Estive por vezes longe da Casa, mas a missão tomou-me cada instante para definir a vida inteira. Fiz de tudo e a diversidade da formação diplomática tornou-me capaz de sentir-me bem em outros escalões, fora da Casa.
Tudo foi Brasil e sua gente.
Dei o melhor de mim e com essa convicção ganhei a liberdade de escrever este telegrama dirigido a meus colegas mais jovens, como eles pleno de esperança no país que somos, não com os olhos míopes das coisas próximas, mas a esperança mesma em seu conjunto com olhos de ver tudo e o futuro.
Como no conselho de Pessoa, colho o dia, porque sou ele.


Londres, 15 de novembro de 2008.