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quinta-feira, 21 de junho de 2012

Entrevista à WWF [World Wildlife Foundation] para o livro publicado e distribuído durante a Rio+20.




[12 de junho de 2012]
 O Brasil recebe a Rio+20 com status de “potência da biodiversidade”. Obviamente, essa imagem tem a ver com a riqueza natural (distribuída em seis biomas) e a exuberância dessas paisagens. Mas além daquiloque o extenso território nacional guarda, o título de “potência” tem relação com a capacidade de preservar os recursos naturais.

Esse reconhecimento não é compulsório. Vem sendo construído há décadas, incluindo aí um grande esforço da diplomacia brasileira de, confirmando a soberania, mostrar aos demais países que é uma “potência” porque tem conhecimento sobre a floresta, possui marcos legais abrangentes de proteção e o Estado e a sociedade atuam em favor do uso sustentável do meio ambiente.

O embaixador Flávio Miragaia Perri, hoje aposentado, foi um dos diplomatas brasileiros que atuou diretamente na engenhosa construção desse status. Para isso, foi fundamental a realização da Rio 92, para a qual o diplomata atuou como secretário-executivo do grupo de trabalhonacional que organizou a conferência. 

Além disso, Perri presidiu o Ibama, foi Secretário Nacional do Meio Ambiente (logo após a Rio 92), e trabalhou como secretário de Estado do Meio Ambiente no Rio de Janeiro. Na entrevista a seguir, por escrito, o diplomata detalha como foi a organização daquela conferência e avalia as perspectivas da Rio+20.

O que o senhor fazia à época da Rio 92? Recorda-se de algumepisódio especial que marcou aquela conferência?
Vivi a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, de 1992, muito antes de vir a ser designado Secretário Executivo do Grupo de Trabalho Nacional encarregado de organizá-la. Nos anos precedentes atuei como Ministro Plenipotenciário [com pleno poder de representação diplomática] junto à Missão do Brasil junto às Nações Unidas e a questão da realização de uma conferência de alto nível estava posta no foro da ONU desde a apresentação do Relatório Brundtland, de 1987. O Brasil encontrava-se sob fogo cruzado das campanhas internacionais ambientalistas, que focavam a Amazônia e o estado dessa imensa floresta em grande parte sujeita à soberania nacional. A convocação da Rio 92, como posteriormente veio a ser conhecida a histórica reunião que reuniu 107 Chefes de Estado e delegados de todos os países membros das Nações Unidas, marcou-me profundamente, pois que todo o embate nas sessões da Assembleia Geral precedentes à decisão de eleger o Rio de Janeiro como sede envolvia trabalho diplomático ativo da equipe em que eu servia. Era Secretário-Geral das Relações Exteriores o Embaixador Paulo Tarso Flexa de Lima e Chefe da Missão junto à ONU o Embaixador Paulo Nogueira Batista, dois grandes nomes do Itamaraty que orientavam nossa atuação no caso. A decisão de oferecer o Rio como sede foi um grande momento para o país, no que se tornou o verdadeiro marco para profunda revisão de políticas e de instituições internas para ocupar-se do meio ambiente no país. 

Quais países tiveram participação mais destacada na Rio 92? Como foi a participação dos latino-americanos? 
Não participei da Delegação brasileira como negociador, encontrava-me no aceso das negociações. Entretanto, porque comandei a infraestrutura que deu apoio à Delegação e, nessa posição privilegiada, pude assistir à evolução dos fatos, inserido neles. Sem sombra de dúvida, o Brasil teve atuação destacada e a indicação de alguns nomes de negociadores basta para ilustrar esse pulso: Celso Lafer, Marcos Castrioto de Azambuja, Ronaldo Sardemberg, Bernardo Pericás, Rubens Ricúpero, Luiz Augusto de Araújo Castro, entre tantos outros, foram hábeis e criativos delegados pela parte brasileira, tanto no avanço quanto na defesa de interesses brasileiros. Foram importantes muitos países, difíceis de destacar, mas sem dúvida os nórdicos vieram bem preparados, ainda que com uma preocupação quase acadêmica em suas posições, mas traziam a tradição da Conferência de Estocolmo, de 1972. É evidente que a função coordenadora da OCDE teve relevância especial, mas entre seus membros a delegação norte-americana teve papel importante, até mesmo por suas posições mais conservadoras; os países da Europa Ocidental, entre os quais sobressaía a Alemanha recém-unificada, o Reino Unido e a França. Entre os países latino-americanos é relevante lembrar os países amazônicos reunidos sob o Tratado de Cooperação Amazônica [Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela], que naquele momento tinham interesses comuns a representar. Costa Rica, Chile, Argentina contavam com quadros negociadores experimentados e diplomacia ativa nas Nações Unidas.

Quais os principais legados da conferência Rio 92? 
A Declaração do Rio é documento lapidar pela precisão de conceitos. Seus 27 “Princípios” consolidaram o conceito do Desenvolvimento Sustentável. Deles destaco o mais candente dos princípios, pelas dimensões ética e econômica que o envolvem, o “Princípio Cinco” estabelecendo que 

“Todos os Estados e todas as pessoas deverão cooperar na tarefa essencial de erradicar a pobreza como requisito indispensável ao desenvolvimento sustentável, a fim de reduzir as disparidades nos níveis de vida e responder melhor às necessidades da maioria dos povos do mundo.” 

Dele derivam o combate à fome e os esforços de formulação de um “Direito à Alimentação”, estes como evolução jurídico-política significativa, anos depois. O Brasil tem uma história louvável de avanços nesse sentido e tem servido de parâmetro para programas de muitos países em desenvolvimento, especialmente africanos e centro-americanos.

A Convenção sobre Biodiversidade e a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança Climática foram passos importantes no caminho da proteção ambiental. O Protocolo de Quioto, como um subproduto da Convenção do Clima, não sofreu evolução satisfatória pela não adesão universal, Estados Unidos à frente da resistência contra o protocolo e ao controle de emissões que nele se previu, compromissos para a redução da emissão dos gases que agravam o efeito estufa, causa antropogênica do aquecimento global. A última conferência das partes não conseguiu definir a continuidade dos compromissos caducos em 2012, mas anteviu uma retomada de negociações, com metas de redução e/ou controle de emissões obrigatórias, em prazo certo.

A Agenda 21 foi o documento mais abrangente produzido na Rio 92, constituindo um programa de ação e um método de trabalho para concretização do ideal do desenvolvimento sustentável. A Agenda 21 não foi universalmente desenvolvida e aplicada, mas sem dúvida é o repositório mais completo de métodos de proteção ambiental, justiça social e eficiência econômica, em contexto de necessária e consciente participação da cidadania. 

Sua dimensão econômica e social abrange política internacional e políticas nacionais para aplicação do novo conceito do desenvolvimento sustentável, especialmente nos países em desenvolvimento no que se refere a estratégias de combate à miséria, enquanto envolvendo países desenvolvidos e em desenvolvimento encaminha mudanças nos padrões de produção e consumo. São significativas as sugestões de saúde pública e a qualidade dos assentamentos humanos. Aspecto, a meu ver, de delicada atualidade são os limites do planeta, que sem ser apontado dessa maneira, veem-se tratados, por exemplo, nas inter-relações entre sustentabilidade e dinâmica demográfica.

O equilíbrio de interesses entre o planeta e o desenvolvimento, buscado pelo conceito do desenvolvimento sustentável é tratado na Agenda 21 sob diferentes enfoques: proteção da atmosfera, transição energética, manejo do solo, recursos do mar, gestão dos recursos de água doce, combate ao desmatamento, desertificação, diversidade biológica, o valor da educação, etc. 

O documento não ignora, nas ações propostas, a importância dos mecanismos financeiros e a produção e oferta de tecnologias como suportes essenciais à gestão da sustentabilidade; o desenvolvimento da ciência e a educação, a cultura como elementos básicos na construção de uma consciência ambiental. Está nele, sob o enfoque das revisões institucionais internacionais e nacionais necessárias à consecução de um desenvolvimento sustentável, a problemática da formação de quadros para a gestão eficiente e a questão que hoje trabalhamos sob o título de governabilidade.

Sujeito a críticas por sua baixa operacionalidade, o Conselho de Desenvolvimento Sustentável [CDS] foi um produto sensível da Agenda 21, mas inadequadamente inserido no sistema das Nações Unidas e sem os poderes coordenadores que dele se esperavam.

A mais importante distinção, finalmente, entre 1992 e 2012, é a participação da opinião pública, o engajamento progressivamente mais importante dos cidadãos nesse debate, a consciência da importância do diálogo, onde a internet joga na linha de frente dos meios de comunicação. Em 1992, a despeito da importância da participação de organizações da sociedade civil, em encontro paralelo à reunião intergovernamental, não se podia sentir com precisão a pulsação do interesse do cidadão e da sociedade. Hoje, tudo remete à sociedade civil em plano destacado de importância e consideração. A Conferência Rio+20 realiza-se no Rio, mas envolverá o mundo inteiro, virtual e simultaneamente.

Entre as resoluções daquela conferência, alguma área não avançou? 
Não sou pessimista quanto a avanços, mas os entendo necessariamente demorados no plano internacional. Tenho mais dificuldade em entendê-los nos planos nacionais, porque as alavancas de poder encontram-se nas mãos de governos como instrumentos de ação política, econômica, social no seio dos Estados. 

O processo político não é, entretanto, linear.
A relação entre Estados segue ritualística de respeito ao princípio da soberania, o que exige tempo. Governos representam a vontade dos cidadãos segundo modelos jurídicos nacionais, consensos democráticos onde se pratique a democracia, identificação de interesses, etc. Têm a faculdade de determinar o quadro jurídico-político interno e podem naturalmente ser mais eficazes.
Quanto à não-realização de muitas das expectativas criadas em 1992, não podemos ignorar os interesses estabelecidos e sua contrariedade a paralisar ações. São fortes as resistências à mudança, tanto no plano nacional quanto no internacional, são distintos níveis de desenvolvimento, são inúmeros os desequilíbrios, são arraigadas as convicções ideológicas e diferenças culturais que impedem o entendimento e o avanço. 
Há que quebrar a força da inércia e os momentos de crise, como as que testemunhamos atualmente o desenrolar no hemisfério norte, de um lado e de outro do Atlântico, oferecem a oportunidade de mudança. A Conferência Rio+20 é, nesse sentido, propícia à criação. 

Qual deveria ser o principal resultado da Rio+20? 
A consciência da crise planetária do desenvolvimento, no modelo que vimos adotando, é a oportunidade que se oferece com essa grande conferência. Trata-se de ousar na constatação de que é tempo ainda de revisão dos paradigmas econômicos, sociais e políticos que têm orientado a ação humana sobre o planeta, esgotável em seus limites. 

Aplico aqui a máxima da urgência de “mudar para conservar” do “Gattopardo” de Lampeduza. Há que mudar para tornar sustentáveis tanto a economia quanto o planeta e a humanidade que nele fez casa e seu único ecossistema. 

Qual sua opinião sobre o texto base da Rio+20? 
O texto base não é um documento a que se deva criticar ou condenar. Trata-se apenas de um esboço preparado pelo Secretariado a partir de mais de 600 contribuições de diversas origens. Cabe aos Estados modificá-lo ou até mesmo ignorá-lo. 

Como compilação, não alcança o objetivo desejado, que seria sua capacidade de influir, por falta de impacto. Em todo caso posso adiantar a opinião de que lhe falta foco. 

Na realidade, repete temas e sugestões já exaustivamente tratados em documentos mais antigos e de melhor qualidade. O que não creio é que necessitemos de um texto que mimetize outros textos para apresentar-se em duas centenas de páginas, sem foco. 

Para esse conjunto de reivindicações por setores, que é como eu defino o texto base, não seria necessário um novo documento, mas bastaria reforçar o valor da exaustivamente estudada e bem formulada Agenda 21, que aborda todos os temas, trata de todos os setores, sugere métodos de trabalho, aponta linhas de ação e já existe! 

Por outro lado, a Declaração do Rio, a Declaração do Milênio e seus oito pontos centrais, valores e princípios, estão exaustivamente afirmados, mas nem sempre nem por todos aplicados.
A Conferência Rio+20 deve ser visionária. É a ocasião para reformular nossa visão de mundo e de futuro. Está nas mãos da liderança mundial que se faça representar no Rio em junho próximo, atuar como Estadistas e apontar os equívocos e erros dos modelos atualmente adotados de organização econômica, de ordem e prioridades sociais, de cuidados com os bens da natureza, por definição, finitos. 

É a hora de reconhecer os limites do planeta e a necessidade de pronta intervenção para mudar os rumos da civilização. 

Visionária na atitude, capaz de montar o cenário do futuro, caberia atuar com desprendimento diante dos modos impróprios e injustos de organização da riqueza no mundo atual. Sua ambição deveria passar pela mudança necessária de paradigmas, envolvendo os modos de apropriação e transformação dos bens da natureza, para garantir a sobrevivência estável do planeta no tempo e a dignidade da vida humana.
A Conferência pode e deve assumir a urgência da mudança e definir-lhe a rota, oferecer o caminho das pedras, para que a humanidade inteira, em todas as suas expressões e estamentos, assuma seu dever para com sua sobrevivência. 

É proibido desgastar o conceito de sustentabilidade. Com ele, pela primeira vez, acrescentamos valor ao entendimento do que seja desenvolvimento. 

Qual a viabilidade da estruturação da chamada “economia verde”? Uma ‘economia azul’ seria também importante?
Não parece oportuna a introdução de uma frase feita na evolução do conceito do desenvolvimento sustentável. O que não é bem definido pode dar consequência a equívocos, discriminações e restrições. “Economia Verde” não é uma categoria econômica conhecida nem entendo como possa ser enunciada como item de uma agenda ambiciosa para a Rio+20 sem perturbar a progressiva e mais eficiente aplicação do conceito de desenvolvimento sustentável. No que se pode entender da frase feita, a “economia verde” nunca seria um modelo de aplicação automática nem uniforme para todos os países. São distintas as características de sociedades e instituições em cada país, às quais caberia considerar suas metas e métodos de trabalho no seu processo de desenvolvimento sustentável. Se devêssemos inserir a frase feita como elemento desse conceito, suponho talvez admissível que essa denominação possa significar algumas metas a constituir parte do caminho. Não tratarei de cores, mas do conjunto delas que nos ilumine a sobrevivência.

Como setor empresarial e sociedade civil podem efetivamente se engajar e contribuir para a conservação ambiental e o desenvolvimento sustentável?
Não tenho a receita pronta sobre os modos de engajamento de cada setor da sociedade para a consecução do desenvolvimento sustentável, mas estou seguro em dizer que o engajamento de todos será essencial para o sucesso de nossa empreitada planetária. Tampouco evito afirmar que, a continuar no passo e no modelo que até hoje adotamos, soçobraremos. O planeta não sustentará a humanidade que o desafie na teimosa obra de depredação que vimos praticando. Mudança, coragem para mudar, novas rotas.

No texto final, o curto prazo tem mais urgência que o longo prazo.



qui, 21/06/12
por G1 |
categoria Rio+20

O projeto de declaração final concluído na quarta-feira (20) para submissão aos chefes de estado e de governo não terá correspondido às expectativas, mas é documento com muitas facetas positivas. Foi justamente a mobilização de opiniões sem precedentes, que julguei o marco mais extraordinário para caracterizar a Conferência Rio+20, que alimentou expectativas tão corretas quanto ambiciosas, no Brasil e em grande parte do mundo. Elas estão conscientes da necessidade de mudar o modelo de desenvolvimento econômico que resultou em severos desequilíbrios sociais e danos ambientais talvez irreversíveis na história pós-revolução industrial.
Poucos supuseram com autoridade que as crises já conhecidas e comentadas na Europa e nos Estados Unidos da América constituiriam o obstáculo insuperável que se tornaram para o sucesso das negociações, cuja empreitada no mínimo trataria da mudança de paradigmas econômico-sociais consolidados nos séculos, para incluir o necessário dado ambiental.
Fica provado o óbvio: o curto prazo tem mais urgência que o longo prazo.
Nas expectativas criadas, prevaleceu o idealismo, certamente desejado e necessário, sobre o realismo medíocre dos problemas correntes. Em todo caso, conceda-se que  sobreviver hoje é condição da sobrevivência amanhã.
O documento conhecido na quarta-feira traz, entretanto, bons registros que permitem esperar evolução positiva nos próximos anos. Vejamos:
  • A meta da erradicação da pobreza, presente nos Princípios do Rio, de 92, e nos  Objetivos do Milênio [ODM]  está perfeitamente registrada  como o desafio global a enfrentar; a segurança alimentar é fator essencial para erradicar pobreza;  na seqüência, dentro do quadro, asegurança alimentar e nutricional aparece vinculada à sustentabilidade na agricultura; a ajuda aos países em desenvolvimento para erradicar a pobreza recomenda sistemas agrícolas sustentáveis;
  • Os princípios da Conferência do Rio de 1992, são reafirmados; a importância dos tratados então assinados no Rio [Biodiversidade, Clima e Desertificação] é explicitamente mencionada e reconhecida [o que aliás não poderia ser diferente]; o princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas, é afirmado em contexto amplo, superando a barragem que os países desenvolvidos fizeram durante as negociações, ao terem desejado que apenas valesse na discussão sobre o  clima;
  • A percepção de que o PIB não responde como índice confiável e abrangente para medir o resultado do desenvolvimento sustentável prevaleceu; a Comissão Estatística das Nações Unidas ficou encarregada de montar um esquema de trabalho para desenvolver um projeto; 
  • A tentativa de impor o desconhecido conceito de economia verde é enquadrada dentro do processo de desenvolvimento sustentável, como instrumento de cooperação no plano internacional, sem envolver restrições aos negóciosinternacionais; 
  • O Foro de Alto Nível, já comentado anteriormente,  a ser definido sob a Assembléia Geral das Nações Unidas, poderá ser capaz de seguir tanto as realizações de outras instituições internacionais quanto de estados no campo do desenvolvimento sustentável, promovendo-lhes a necessária coerência. Será tarefa inovadora e bem-vinda, quando pode ser um instrumento criador de novos caminhos;
  • Metas de Desenvolvimento Sustentável [MDS] são previstas para serem adotadas em prazo curto pela Assembléia Geral das Nações Unidas. Para isso, um grupo de trabalho será constituído até o início da 67ª sessão da Assembleia Geral;
  • A transferência de tecnologia é considerada essencial para a promoção do desenvolvimento sustentável e, novamente, a Assembléia Geral das Nações Unidas é incumbida de propor mecanismo que facilite a transferência de tecnologias limpas;
  • Uma Estratégia de Financiamento do Desenvolvimento Sustentável será proposta à Assembléia Geral das Nações Unidas por um grupo intergovernamental especialmente designado;
  • A educação é destacada como instrumento de afirmação do desenvolvimento sustentável.

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Vivemos um grande momento, com declaração final satisfatória ou não.



qua, 20/06/12
por Flávio Perri |
categoria Rio+20
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No plano dos ministros de Estado ou de plenipotenciários presentes no Rio de Janeiro, as negociações estão encerrados desde o dia 13 de junho. O documento resultante será oferecido ao exame e eventual assinatura dos Chefes de Estado e de governo que começam a chegar.  A reunião de alto nível ocorrerá nos dias 21 e 22 próximos.
Vivemos nos últimos dias a novidade de negociações diplomáticas serem acompanhadas em tempo real, via iInternet e toda a parafernália da comunicação moderna. Terá sido a ocasião mais publicizada da história de grandes conferências. Simultaneamente, a sociedade civil organizou eventos de grande riqueza, onde a mobilização para as matérias sob exame e em negociação na conferência intergovernamental foi absolutamente extraordinária.
Saber se essa mobilização influenciou ou não os negociadores governamentais já é outra história, pois um foro onde estão presentes 193 Estados significa a complexidade de múltiplos interesses entrecruzados.
Uma simples olhada num “Mapa Mundi” basta para sugerir hipóteses de interesses concretos ou até mesmo ideológicos em jogo; o reconhecimento dos continentes leva à realidade dos oceanos; o rio mais caudaloso identifica-se com o córrego que despenca em corredeiras; uma leitura atenta dos jornais do dia indicará problemas econômicos e políticos, atuando sobre o comportamento de representantes deste ou daquele país; um mero exame da diversidade da natureza e de seus fenômenos confrontar-nos-á com a imensidade do conhecimento envolvido.
O meio ambiente é na realidade o ambiente inteiro. Falar de produção e consumo desperta tanto empresários produtores ou comerciantes quanto o grande público consumidor. Tratar da pobreza no mundo escancara a injustiça das desigualdades em cada um dos nossos países e no planeta, resultado infeliz de sistemas de produção, capital, trabalho, lucro, emprego, desemprego, fome. Tudo, educação, cultura, ciência, tecnologia, aparece no esforço de pensar a temática do desenvolvimento sustentável, nome e objeto da Conferência Rio+20.
As negociações exauriram esforços dos negociadores, dedicados, incansáveis, ignorando as belezas da orografia, do mar e da floresta que entorna o centro de conferências, território provisório das Nações Unidas, encravado em território brasileiro, para sobreviver em ambiente artificial magnificamente instalado no Riocentro.
Defendem seus interesses nacionais, 193 países elevados à potência “n”, línguas, maneiras de entender, comportamentos, cada palavra, uma vírgula, uma tradução imprecisa, tudo se mistura no desejo de cumprir instruções em nome de governos de diferente estrutura.
O grande momento culminará em dois dias com a reunião no mais alto nível, que provavelmente pouca oportunidade oferecerá para mudar substancialmente o que se obteve até agora como pré-documento final. Estão lá registrados os dados da questão.
Sim, o documento final não parece satisfatório, nasceu sem foco de um trabalho burocrático do Secretariado. O “rascunho zero” foi uma coletânea desequilibrada de opiniões pouco claras e temas em profusão. O engano inicial foi tomar tal texto como base para as negociações. Nas negociações preparatórias, não ocorreu recorrer a um trabalho de elaboração alternativa de novo texto, que mais simples e mais direto ocupasse as atenções com questões relevantes, mesmo que para apenas encaminhar [a] a elaboração das metas para o desenvolvimento sustentável, balizando-lhes as negociações futuras; [b] a consideração dos temas mais críticos, até certo ponto fáceis de identificar, para que constituíssem a base e o fundamento das metas por elaborar; [c] a reafirmação das Metas do Milênio e da Declaração do Rio, de 1992; [d] “last but not the least” a reconfirmação ou a revisão orientada da Agenda 21, o documento mais importante até hoje produzido para encaminhar o processo de desenvolvimento sustentável.
Já no Rio, delegados representaram as posições de seus governos diante do texto equivocado em um momento delicado da conjuntura internacional.
Fundo proposto pelos países emergentes
Desde sempre sabia-se que não haveria criação de um Fundo para a Promoção do Desenvolvimento Sustentável, uma ideia recorrente nos foros da ONU, quando se trata de meio ambiente e desenvolvimento. Como proposta formal, apareceu agora, por iniciativa do “Grupo dos 77″, que hoje congrega cerca de 130 países em desenvolvimento. Balão de ensaio, pressão negociadora, talvez, mas a ninguém ocorreu que pudesse ser no momento aprovada por consenso.
Um fundo para financiar o desenvolvimento sustentável teria sido bem-vindo, mas impraticável apesar do grande número de países que subscreveram a proposta. É fácil entender a realidade, pois os países que detêm recursos para contribuir para uma tal instituição são países desenvolvidos, cuja situação política ou econômica passa por crise talvez sem precedentes na Europa, que põe em risco a sobrevivência não apenas do acordo que criou o Euro, como moeda comum, mas a própria coesão da União Européia, no limite. Os Estados Unidos ainda mal sobrevivem à crise de sua economia iniciada há quatro anos, cumulativa agora com as eleições presidenciais. Japão ainda se reconstrói desde o tsunami que atingiu o país há pouco mais de um ano.
O quadro político-diplomático na Rio+20 não poderia ter sido menos propício para um avanço notável nas questões econômicas, ambientais e sociais com a perspectiva visionária [que desejamos] de questões  vitais para tornar um futuro nem tão distante mais ameno e menos crítico. Estas questões apenas são intratáveis nesta hora.
Ninguém ignora, nem mesmo os negociadores governamentais, quando recolhidos a sua consciência, a crise que se avizinha para 7 bilhões de seres humanos. Será cada vez mais difícil resolver os problemas da escassez dos bens que a natureza ainda oferece, mas os limites do planeta poderão negar 50 anos à frente.
Assinalei há dias o significado do Foro de Alto Nível a ser definido sob a Assembléia Geral das Nações Unidas com amplo mandato, capaz de seguir tanto as realizações de outras instituições internacionais quanto de Estados no campo do desenvolvimento sustentável, promovendo-lhes a necessária coerência. Sua tarefa é inovadora e bem-vinda, quando pode ser um instrumento criador de metas e novos caminhos, entre tarefas agudamente pertinentes. Se definido com propriedade, tal Foro poderá ser instrumento de trabalho valioso para desenvolver, a cada passo, soluções para os problemas que conhecemos e o documento elenca.
Metas para o desenvolvimento sustentável
Não esperei a definição imediata de metas para o desenvolvimento sustentável [MDS], tão exigidas e exigíveis. Defini-las exige tempo e pesquisa própria, para não errar na dose e na prescrição. Não haviam sido preparadas antes, sabíamos, mas são demandas necessárias, para dar foco à tarefa que temos pela frente. Metas certamente exigirão mudanças de paradigma para governos, empreendedores, sociedade civil e cada ser humano.
Por outro lado, metas existem, e estão perfeitamente enunciadas na Declaração do Rio e na Declaração do Milênio, reforçadas agora. Difícil retocá-las – necessário ainda alcançá-las. Metas para o desenvolvimento Sustentável [MDS] estão, entretanto, previstas, em prazo dado.
A falta de acordo sobre o que seja “economia verde”, no fundo, não é importante: não é uma categoria econômica, não é um conceito que se auto-explique. Traz, na sua imprecisão, indagações críticas para os países em desenvolvimento – tanto na questão da transferência de tecnologia (uma dificuldade historicamente crítica) quanto no que se refere à assistência financeira, para não mencionar o comércio internacional. Essa combinação muito bem achada de palavras pareceu-me apenas um instrumento, talvez válido, de “marketing”.
O que temos nos basta como método e instrumento de ações: desenvolvimento sustentável.
Eu diria que o conceito “pegou”, é de domínio público, e nenhum governante, economista ou empresário com poder de decisão importante tratará doravante apenas de falar em “desenvolvimento”. O desenvolvimento, que na história do jargão político foi uma alternativa a “progresso econômico”, hoje só é entendido se for sustentável, isto é, se nos garantir o usufruto dos bens do planeta sem perda da qualidade de seu usufruto continuado pelas gerações futuras.
Vivemos um grande momento, com declaração final satisfatória ou não.
O Rio de Janeiro ferve iniciativas, exposições, seminários, debates, passeatas, multiplica grupos étnicos, exotismos, cenários. O milagre da comunicação instantânea volta virtualmente os olhos e as mentes do ser humano onde se encontre, diante de uma tela de computador ou de televisão, para o que se passa aqui.
Não se trata, portanto, de considerar perdida a oportunidade da conferência: o enunciado das áreas críticas está feito e o fato de se encontrarem no Rio uma centena de Chefes de Estado e de governo terá impacto sobre ações futuras, tanto no plano dos países quanto no plano internacional, certamente no foro das Nações Unidas.
A mobilização da opinião é extraordinária e estou seguro de que a ação consciente da sociedade civil, em todos os níveis e planos de organização, é a partir da Rio+20 determinante de resultados.

terça-feira, 19 de junho de 2012

Documento negociado na Rio+20 germina nova realidade.



seg, 18/06/12
por Flávio Perri |
categoria Rio+20

Criticar o texto ora considerado base para deliberações ainda em curso, na expectativa da chegada dos chefes de Estado e de Governo, sem espírito analítico e crítico, é muito fácil, pois muito pouco nele parece novidade e muitos dos seus parágrafos já foram vistos aqui e acolá em outros documentos produzidos em foros das Nações Unidas.
Lido em toda sua extensão, entretanto, nota-se nele a germinação de uma nova realidade, quando se lê por exemplo o capítulo que trata do Quadro Institucional para o Desenvolvimento Sustentável, onde a novidade certamente destinada a produzir resultados encontra-se na ideia de um Foro de Alto Nível, a ser definido sob a Assembleia Geral das Nações Unidas, com amplo mandato, capaz de seguir tanto as realizações de outras instituições internacionais quanto de Estados no campo do desenvolvimento sustentável, promovendo-lhes a necessária coerência.
Sua tarefa é inovadora e bem vinda quando pode ser um instrumento criador de metas e novos caminhos especialmente, entre outras tarefas:
[a] destinada a promover um diálogo regular para avançar medidas de desenvolvimento sustentável;
[b] fundamentada em uma agenda precisamente focada e dirigida à ação;
[c] organizada para seguir, analisar e criticar progressos na implementação do desenvolvimento sustentável previstos em compromissos internacionais, tais como a Agenda 21, o Plano de Ação de Joanesburgo, etc;
[d] mandatada para encorajar a participação em alto nível de outras agências das Nações Unidas, Fundos e Programas e convidar outras instituições financeiras ou comerciais internacionais a participar;
[e] instrumentada para promover a necessária transparência e implementação do desenvolvimento sustentável, ampliando a participação dos “major Groups” e “stakeholders” [grandes grupos e detentores de interesse] no plano internacional;
[f] capaz de reforçar a interface entre a ciência e a política, conhecendo e revisando documentação e avaliações dispersas, reunindo-as, em um relatório periódico em condições de orientar ações.
Com esses propósitos e poderes, a Conferência Rio+20 decide determinar o início de negociações universais, intergovernamentais, em processo aberto, sob a Assembleia Geral das Nações Unidas, para definir o formato desse Foro, com o objetivo de convocar uma sua primeira reunião em alto nível durante a 68a. Sessão da Assembleia Geral.
É um grande passo, uma novidade institucional que torna secundária a questão da transformação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente em agência especializada, fato que vem a seguir definido no texto base atual.


O que me impressiona positivamente no texto sobre o Foro de Alto Nível é que de certa maneira ele se torna uma conferência permanente sobre Desenvolvimento sustentável, com participação em alto nível e poderes mais abrangentes do que esta própria conferência. Por negociações que sejam levadas adiante nessa nova instituição, ter-se-á uma visão permanentemente atual do processo de promoção do desenvolvimento sustentável em seus vários níveis, tudo pode ser regulado, por acordo ou consenso entre todas as partes, isto é, membros plenos das Nações Unidas, órgãos do sistema, instituições financeiras e comerciais convidadas, com a valiosa cooperação de todos os interessados e os maiores grupos da sociedade civil. Será uma conferência permanente.
Comentarei oportunamente outros aspectos, mas a questão institucional é relevante o suficiente para abrir ao conhecimento público o que vai ocorrendo na conferência Rio+20.

Rio+20 não está perdida.



sáb, 16/06/12
por Flávio Perri |
categoria Sem categoria

Prosseguem as negociações sob a condução do Brasil. Há esforços de todas as partes, mas a pedra no caminho é a que assinalei diversas vezes nos meus escritos: a crise econômica europeia e a situação peculiar nos EUA (crise + eleições). Delegados dos países desenvolvidos apresentam na Rio+20  a resistência de sua miopia: enxergam a árvore, não vislumbram a floresta.
Maurice Strong, que foi secretário-geral da Rio 92, ontem saudou o pequeno grupo, onde eu estava, com a “manchete” do dia: “Rio+20, menos vontade política, problemas agravados”. Foi preciso e ao ponto.
Não se trata, entretanto, de considerar perdida a oportunidade da conferência: o enunciado das áreas críticas está feito e o fato de se encontrarem no Rio mais de cem chefes de Estado e de governo terá impacto sobre ações futuras, tanto no plano dos países quanto no plano internacional, certamente no foro das Nações Unidas.
Como assinalei em outra parte, metas existem, e perfeitamente enunciadas, na Declaração do Rio e na Declaração do Milênio. Difícil retocá-las – necessário ainda alcançá-las. As áreas críticas demandam ações, que serão naturalmente tomadas, na sequência em foros próprios, especialmente o das Nações Unidas, e poderão servir de guia para governos do mundo todo.
Recordo o que assinalei num segundo artigo neste blog:
“Um esclarecimento importante para o grande público leitor é que as decisões a serem tomadas por esta conferência não são auto-aplicáveis. A declaração final enunciará compromissos sim, mas sua aplicação no plano internacional dependerá de instâncias sucessivas, em princípio no foro das Nações Unidas, Assembleia-Geral e até mesmo o Conselho de Segurança, se exigirem reforma da Carta de São Francisco [Carta constitutiva da ONU].
A força da declaração final estará no seu conteúdo [que será objeto de um consenso entre chefes de Estado e de governo presentes e demais delegações].”
O conteúdo existe e é bastante claro nas opções de áreas críticas.
A falta de acordo sobre o que seja “economia verde”, no fundo, não é importante: não é uma categoria econômica, não é um conceito que se auto-explique. Traz, na sua imprecisão, riscos imensos para os países em desenvolvimento – tanto na questão da transferência de tecnologia (uma dificuldade historicamente crítica) quanto no que se refere à assistência financeira, para não mencionar o comércio internacional — que se podem ver atingidos por decisões de países desenvolvidos de imporem restrições no argumento dessa combinação muito bem achada de palavras se devesse apenas destinar-se a “marketing”.
O que temos nos basta como método e instrumento de ações: desenvolvimento sustentável.
Eu diria que o conceito “pegou”, é de domínio público, e nenhum governante ou empresário com poder de decisão importante tratará doravante apenas de falar em “desenvolvimento”. O desenvolvimento, que na história do jargão político foi uma alternativa a “progresso econômico”, hoje só é entendido se for sustentável, isto é, garanta-nos o usufruto dos bens do planeta sem perda de qualidade de seu usufruto continuado pelas gerações futuras.
Acho saudável politicamente considerar a Conferência Rio+20 um marco e o seu sucesso está garantido em sua provada capacidade de mobilização da opinião pública, da sociedade civil, de governos de todo o mundo e de ações necessárias nos foros internacionais.
A sobriedade do consumo virá da consciência de que sóbrio deve ser o aproveitamento dos bens do planeta, condicionando processos de transformação e produção.
Somos sete bilhões em um só planeta. Respeitemos seus limites para uma vida digna na sobrevivência da civilização.

O futuro do órgão ambiental da ONU.



sex, 15/06/12
por Flávio Perri |
categoria Rio+20
As negociações avançam lentamente, dando margem a interpretações de intenções. Fala-se muito agora de um compromisso de se negociarem metas para o desenvolvimento sustentável até um prazo dado. Mencionam 2015 como data limite. É possível uma solução desse tipo, até mesmo porque um acordo sobre tais metas, nesta conferência, provavelmente traria algumas lacunas importantes no que parece vital, como por exemplo a disponibilização de recursos para apoio à realização dessas mesmas metas.
Essa foi a dificuldade que apontei quinta-feira (14), quando tratei da proposta do Grupo dos 77, entre os quais o Brasil, de se criar um fundo para financiar metas do desenvolvimento sustentável. A crise na Europa e as eleições americanas distraem as atenções de delegados dessa origem: preocupados com o curto prazo, descuidam-se do longo prazo e é justamente do longo prazo que a Rio+20 trata.
Governança – Pnuma
Por outras razões, a divisão entre Norte e Sul, isto é, entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento, volta a aparecer na questão da governança internacional na área ambiental, ainda que menos claramente, pelos diferentes aspectos que envolvem a questão.
Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), com sede no Quênia, foi criado como órgão subsidiário da Assembléia Geral da ONU, por uma resolução que estabelece os limites de sua atuação. Os dois pontos mais significativos desses limites são:
- O diretor-geral é designado pela Assembléia Geral e tem para apoiá-lo um conselho igualmente eleito;
- Os fundos para sua administração são atribuídos do Orçamento das Nações Unidas e de contribuições voluntárias.
Em resumo, o Pnuma hoje depende de decisões da Assembléia Geral, órgão ao qual presta contas regularmente. Do ponto de vista de sua atuação, ele não tem autonomia para convocar Estados para negociar tratados ou convenções.
A ideia de elevar o Pnuma ao status de “agência especializada” daria ao órgão ambiental autonomia financeira e administrativa, por um acordo de criação da agência, que disporia de uma Assembléia dos membros, com autonomia decisória, inclusive a de designar seu diretor-geral, tal como a FAO, por exemplo.
Seria um órgão do sistema das Nações Unidas, mas com personalidade própria, no que sobrelevam a financeira e a política.
O que se sabe é que a maioria dos Estados reunidos no Rio pode apoiar  uma ampliação dos atuais poderes do Pnuma, mas divergem quanto à amplitude desses poderes, isto é, do mandato do futuro Pnuma.
O que está por detrás da dificuldade, resumidamente, é o questionamento que muitos Estados fazem da necessidade de um novo órgão autônomo do sistema, para gerir um setor cuja definição é justamente a abrangência: meio ambiente é um conceito todo inclusivo, como o é o desenvolvimento sustentável. Porque dar-lhe poderes setoriais então?
Desde há algum tempo o sistema das Nações Unidas trabalha hipóteses de reforma, cujo cerne está na necessidade de não duplicar funções ou fazê-las repetitivas, o que causa  agudoproblema de coordenação. O Pnuma seria desse ponto de vista mais um.
Por outro lado, existe a questão das contribuições, custo que se acrescentaria aos gastos crescentes da manutenção de órgão do sistema e da própria ONU. A questão posta do ponto de vista político envolve a influência independente que os países desenvolvidos poderiam ter sobre a nova organização que surgisse com plena autonomia, já que muitos Estados em desenvolvimento têm clara dificuldade em designar representantes em número suficiente e propriamente mandatados para as múltiplas organizações já existentes, causando muitas vezes dissonâncias em sua atuação sobre um mesmo assunto em diferentes organizações.
É assunto intrincado a dividir sem muita nitidez os Estados nas negociações em curso.
Há também sobre esse ponto impasse, prejudicando a formação do consenso.

Fundo proposto pelo Brasil é boa ideia, mas fonte de recursos é dúvida



qui, 14/06/12
por Flávio Perri |
categoria Rio+20

Um fundo como o proposto [de US$30 bilhões anuais] para apoiar a implementação de medidas acordadas será essencial para o sucesso do que venham a ser as metas financiáveis. O que é claro é que os destinatários desse apoio financeiro serão países em desenvolvimento. O que não se pode antever é a fonte dos recursos propostos, num momento de crise europeia e norte-americana, e às vésperas de uma eleição presidencial nos EUA que se promete disputadissima.
Não me está clara a origem desses recursos e parece-me muito óbvio dizer que dificilmente esse montante de recursos sairá dos cofres dos países emergentes, como tentam fazer entender alguns países desenvolvidos. Normalmente viriam de países desenvolvidos.
As negociações estão sendo conduzidas em pequenos grupos de trabalho, em regra um para cada tema. É muito cedo para prever o desenvolvimento delas, mas o clima é de confiança nos resultados. Devo dizer que o prazo até sexta-feira para a conclusão dessa etapa é claramente insuficiente e a tendência já enunciada seria de prorrogarem-se esses trabalhos até o dia 19, certamente avançando sobre o fim de semana.
Um esclarecimento importante para o grande público leitor é que as decisões a serem tomadas por esta conferência não são auto-aplicáveis. A declaração final enunciará compromissos sim, mas sua aplicação no plano internacional dependerá de instâncias sucessivas, em princípio no foro das Nações Unidas, Assembleia-Geral e até mesmo o Conselho de Segurança, se exigirem reforma da Carta de São Francisco [Carta constitutiva da ONU].
A força da declaração final estará no seu conteúdo [que será objeto de um consenso entre chefes de Estado e de governo presentes e demais delegações].

Rio+20, o que é, o que dessa conferência se espera



qui, 07/06/12
por Flávio Perri |
categoria Rio+20


A Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, Rio+20, acontece dentro de poucos dias, entre 13 e 22 de junho, concentrando o segmento dos chefes de Estado e de governos [são esperados mais de cem] entre os dias 20 e 22. Serão sete dias de negociações para preparar os documentos a serem assinados no encerramento da conferência.
São vinte anos passados da Conferência Rio 92 — também chamada de “Cúpula da Terra” pela importância que teve para o planeta. Foi de fato um momento afirmativo da comunidade internacional reunida  no Rio de Janeiro,  vivido pela cidade e pelo mundo, quando o primor organizacional culminou com decisões cruciais para o futuro da humanidade.
É necessário observar que a Conferência Rio 92 encerrava um ciclo de negociações sobre diversos tratados cuja maturação esperava-se para a ocasião.
Foram assinados em 1992 documentos importantes para o futuro do planeta:
- três convenções: da  Biodiversidade, da Desertificação e das  Mudanças Climáticas;
-  a Declaração do Rio sobre Ambiente e Desenvolvimento;
-  a Agenda 21.
O mundo evoluiu em 20 anos. O Brasil firmou sua vocação como uma das grandes economias do planeta, apesar dos desequilíbrios sociais e regionais de sua sociedade. A comunidade internacional sofreu transformações importantes e teve por vezes resultados contrastantes no período.
O mundo mudou, mas como o de Maysa de saudosa memória, não caiu.
A Conferência Rio+20 foi convocada sob ótica diversa da que existiu em 1992: seguiu o padrão estabelecido depois de Estocolmo, em 1972, de fazer uma revisão a cada dez anos dos progressos feitos e, realizando-se no Rio, serviria igualmente para celebrar a grande ocasião de 20 anos atrás.
Apesar do aumento da consciência de homens e mulheres sobre a necessidade de se encontrar um equilíbrio entre as necessidades e ações humanas e os cuidados com o planeta, é evidente que a decisão das Nações Unidas de convocar no mais alto nível um encontro desse porte foi tomada na expectativa de que a evolução do conceito do desenvolvimento sustentável merecia um momento de reflexão, para que o avanço em sua aplicação se tornasse universal e que os Estados tornassem prioritários em suas agendas os documentos já existentes sobre meio ambiente e desenvolvimento.
A  Rio+20 resulta portanto da exuberante demonstração de vitalidade do ser humano que encontra razões, entre sete bilhões, para pensar no futuro e continuar a batalha por uma sobrevivência digna. É essa capacidade visionária que nos aquieta a angústia de viver.
A conferência é uma dessas oportunidades que não se podem perder. Nem se trata de afirmar solenemente, numa Declaração Final, princípios novos para balizar a vida no planeta.  Princípios já existem [e de grande força]. Alguns  centrais datam da primeira Conferência do Rio.
Recordo alguns, como entre os 27 estabelecidos na Rio 92:
·         o ser humano está no centro do processo de desenvolvimento sustentável e tem direito a uma vida saudável e produtiva, em harmonia com a natureza [Princípio 1]
·      a erradicação da pobreza é tarefa inadiável e requisito essencial ao desenvolvimento sustentável [Princípio 5]
·         a revisão dos perversos sistemas de produção e consumo não sustentáveis [Princípio 8] é a reforma de maior impacto, assinalo eu,  para garantir séculos saudáveis a um planeta que tem limites e, dentro desse quadro, busca também a sustentabilidade demográfica
·         o apoio decisivo de todas as partes a esforços de criação de capacidades endógenas, com a ampliação do saber pelo intercâmbio, sem limitações, de conhecimento          científico e tecnológico, pela transferência de tecnologias instrumentais na promoção do desenvolvimento sustentável. A inovação joga nesse ponto papel decisivo [Princípio 9]
·         a promoção de um sistema econômico internacional mais aberto, favorável ao desenvolvimento sustentável universal [Princípio 12].
Por sua vez, a Cúpula do Milênio  – realizada de 6 a 8 de Setembro de 2000, em Nova York, enunciou a “Declaração do Milênio” que, em oito Princípios, resume os desafios que a humanidade enfrenta no limiar do ano dois mil. É documento histórico para o novo século. Essa Declaração reflete as preocupações de 147 Chefes de  Estado e de Governo e de 191 países, que participaram na maior reunião de desde sempre de dirigentes mundiais.
Sem prejuízo do conteúdo de todo o texto, registro valores que considero pertinentes e centrais nas deliberações da Rio+20:
·         homens e as mulheres têm o direito de viver com dignidade, livres da fome, do medo da violência, da opressão e da injustiça [liberdade]
·         nenhum indivíduo ou nação devem ser privados da possibilidade de beneficiar-se do desenvolvimento  [igualdade]
·         a gestão de todas as espécies e recursos naturais do planeta exige prudência, para que se faça de acordo com os princípios do desenvolvimento sustentável e assegurem a nossos descendentes as riquezas da natureza; esse nobre objetivo está a exigir alteração dos atuais padrões insustentáveis de produção e consumo, no interesse do nosso bem-estar futuro e no das futuras gerações [respeito pela natureza]
·         a responsabilidade pela gestão do desenvolvimento económico e social no mundo [inclusive a Paz e segurança internacionais] deve ser partilhada por todos os Estados do mundo e ser exercida multilateralmente [responsabilidade comum]
Será apenas natural que o documento final que resultar da Conferência Rio+20 recorde ambas as declarações, mas será excepcionalmente bem recebido que exija o cumprimento de tais princípios e valores definindo medidas concretas em instituições internacionais, para regular novas forma de convivência entre Nações, estabelecendo nova orientação que possa ser cobrada aos governos, em todos os níveis, de todos e de cada cidadão do planeta.
É hora de agir com precisão, estabelecendo uma rota segura que garanta o equilíbrio entre os interesses do planeta e os do ser humano, em caminhada que se inicie imediatamente e que se estenda pelo futuro a fora. É hora urgente de saber mudar nossas formas atuais de convivência, para poupar o planeta Terra e os bens que nos oferece para convivência e transformação, de maneira e respeitar o direito das futuras gerações de os ter igualmente disponíveis, sustentavelmente.
Esse é o sentido do “desenvolvimento sustentável” que dá nome à Conferência. Essa é a tarefa dos negociadores de mais de190 nações que estarão reunidas no RioCentro, concentrando sua criatividade e sentido agudo de responsabilidade, para o bem de todos nós habitantes dessa única e magnífica espaçonave chamada Terra.
É de nosso interesse entender, é nosso dever participar. Com essas palavras iniciais, procurarei contribuir aqui para o necessário diálogo entre todas as partes, como condição sine qua non parao sucesso que todos desejamos.