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sábado, 2 de junho de 2012

DE Leonardo Boff, sobre meu livro "O ENCANTO DOS ORIXÁS"


O encanto dos Orixás [de Flávio Perri] 

Por Leonardo Boff

Quando atinge grau elevado de complexidade, toda cultura encontra sua expressão artística, literária e espiritual. Mas ao criar uma religião a partir de uma experiência profunda do Mistério do mundo, ela  alcança sua maturidade e aponta para valores universais. É o que representa a Umbanda, religião, nascida em Niterói, no Rio de Janeiro, em 1908, bebendo das matrizes da mais genuína brasilidade, feita de europeus, de africanos e de indígenas. Num contexto de desamparo social, com milhares de pessoas desenraizadas, vindas da selva e dos grotões do Brasil profundo, desempregadas, doentes pela insalubridade notória do Rio nos inícios do século 20, irrompeu uma fortíssima experiência espiritual.


O interiorano Zélio Moraes atesta a comunicação da Divindade sob a figura do Caboclo das Sete Encruzilhadas da tradição indígena e do Preto Velho da dos escravos. Essa revelação tem como destinatários primordiais os humildes e destituídos de todo apoio material e espiritual. Ela quer reforçar neles a percepção da profunda igualdade entre todos, homens e mulheres, se propõe potenciar a caridade e o amor fraterno,  mitigar as injustiças, consolar os aflitos e reintegrar o ser humano na natureza sob a égide do Evangelho e da figura sagrada do Divino Mestre Jesus.

Oxum, orixá feminino, é a deusa dos rios, lagos e cachoeiras. Simboliza o poder da água doce, sem a qual nossa vida se torna impossível. Originária do candomblé africano, Oxum é uma das divindades mais cultuadas da umbanda.
O nome Umbanda é carregado de significação. É composto de OM (o som originário do universo nas tradições orientais) e de BANDHA (movimento incessante da força divina). Sincretiza de forma criativa elementos das várias tradições religiosas de nosso pais criando um sistema coerente. Privilegia as tradições do Candomblé da Bahia por serem as mais populares e próximas aos seres humanos em suas necessidades. Mas não as considera como entidades, apenas como forças ou espíritos puros que através dos Guias espirituais se acercam das pessoas para ajudá-las. Os Orixás, a Mata Virgem, o Rompe Mato, o Sete Flechas, a Cachoeira, a Jurema e os Caboclos representam facetas arquetípicas da Divindade. Elas não multiplicam Deus num falso panteismo mas concretizam, sob os mais diversos nomes, o único e mesmo Deus. Este se sacramentaliza nos elementos da natureza como nas montanhas, nas cachoeiras, nas matas, no mar, no fogo e nas tempestades. Ao confrontar-se com estas realidades, o fiel entra em comunhão com Deus.
A Umbanda é uma religião profundamente ecológica. Devolve ao ser humano o sentido da reverência face às energias cósmicas. Renuncia aos sacrifícios de animais para restringir-se somente às flores e à luz, realidades sutis e espirituais.
Há um diplomata brasileiro, Flávio Perri, que serviu em embaixadas importantes como Paris, Roma, Genebra e Nova York que se deixou encantar pela religião da Umbanda. Com recursos das ciências comparadas das religiões e dos vários métodos hermenêuticos elaborou perspicazes reflexões que levam exatamente este título O Encanto dos Orixás, desvendando-nos a riqueza espiritual da Umbanda. Permeia seu trabalho com poemas próprios de fina percepção espiritual. Ele se inscreve no gênero dos poetas-pensadores e místicos como Alvaro Campos  (Fernando Pessoa), Murilo Mendes, T. S. Elliot e o sufi Rumi. Mesmo sob o encanto, seu estilo é contido, sem qualquer exaltação,  pois é esse rigor que a natureza do espiritual exige.
Além disso, ajuda a desmontar preconceitos que cercam a Umbanda, por causa de suas origens nos pobres da cultura popular, espontaneamente sincréticos. Que eles tenham produzido significativa espiritualidade e criado uma religião cujos meios de expressão são puros e singelos revela quão profunda e rica é a cultura desses humilhados e ofendidos, nossos irmãos e irmãs. Como se dizia nos primórdios do Cristianismo que, em sua origem também era uma religião de escravos e de marginalizados, “os pobres são nossos mestres, os humildes, nossos doutores”.
Talvez algum leitor/a estranhe que um teólogo como eu diga tudo isso que escrevi. Apenas respondo: um teólogo que não consegue ver Deus para além dos limites de sua religião ou igreja não é um bom teólogo. É antes um erudito de doutrinas. Perde a ocasião de se encontrar com Deus que se comunica por outros caminhos e que fala por diferentes mensageiros, seus verdadeiros anjos. Deus desborda de nossas cabeças e dogmas.




O teólogo brasileira Leonardo Boff
Quem é Leonardo Boff
 Leonardo Boff nasceu em Concórdia, Santa Catarina, em 14 de dezembro de 1938.
É neto de imigrantes italianos da região do Veneto, vindos para o Rio Grande do Sul no final do século 19.
Cursou filosofia em Curitiba, Paraná, e teologia em Petrópolis, Rio de Janeiro. Doutorou-se em teologia e filosofia na Universidade de Munique, Alemanha, em 1970.
Ingressou na Ordem dos Frades Menores, franciscanos, em 1959.
Durante 22 anos, foi professor de teologia sistemática e ecumênica em Petrópolis, no Instituto Teológico Franciscano.
Professor de teologia e espiritualidade em vários centro de estudo e universidades do Brasil e do exterior, além de professor-visitante nas Universidades de Lisboa (Portugal), Salamanca (Espanha), Harvard (EUA), Basel (Suíça) e Heidelberg (Alemanha).
Em 1984, em razão de suas teses ligadas á Teologia da Libertação, apresentadas no livro Igreja: Carisma e Poder, foi submetido a um processo pela Sagrada Congregação para a Defesa da Fé, ex-Santo Ofício, no Vaticano.
Em 1985, foi condenado a 1 ano de “silêncio obsequioso” e deposto de todas as suas funções editoriais e de magistério no campo religioso.
Dada a pressão mundial sobre o Vaticano, a pena foi suspensa em 1986.
Em 1992, sendo de novo ameaçado com uma segunda punição pelas autoridades de Roma, renunciou às suas atividades de padre e se autopromoveu ao estado leigo. Como seus amigos e alunos costumam dizer, “mudou de trincheira para continuar a mesma luta”.
 Leonardo Boff é autor de Meditação da Luz. O caminho da simplicidade. Vozes 2009.


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