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quarta-feira, 20 de junho de 2012

Vivemos um grande momento, com declaração final satisfatória ou não.



qua, 20/06/12
por Flávio Perri |
categoria Rio+20
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No plano dos ministros de Estado ou de plenipotenciários presentes no Rio de Janeiro, as negociações estão encerrados desde o dia 13 de junho. O documento resultante será oferecido ao exame e eventual assinatura dos Chefes de Estado e de governo que começam a chegar.  A reunião de alto nível ocorrerá nos dias 21 e 22 próximos.
Vivemos nos últimos dias a novidade de negociações diplomáticas serem acompanhadas em tempo real, via iInternet e toda a parafernália da comunicação moderna. Terá sido a ocasião mais publicizada da história de grandes conferências. Simultaneamente, a sociedade civil organizou eventos de grande riqueza, onde a mobilização para as matérias sob exame e em negociação na conferência intergovernamental foi absolutamente extraordinária.
Saber se essa mobilização influenciou ou não os negociadores governamentais já é outra história, pois um foro onde estão presentes 193 Estados significa a complexidade de múltiplos interesses entrecruzados.
Uma simples olhada num “Mapa Mundi” basta para sugerir hipóteses de interesses concretos ou até mesmo ideológicos em jogo; o reconhecimento dos continentes leva à realidade dos oceanos; o rio mais caudaloso identifica-se com o córrego que despenca em corredeiras; uma leitura atenta dos jornais do dia indicará problemas econômicos e políticos, atuando sobre o comportamento de representantes deste ou daquele país; um mero exame da diversidade da natureza e de seus fenômenos confrontar-nos-á com a imensidade do conhecimento envolvido.
O meio ambiente é na realidade o ambiente inteiro. Falar de produção e consumo desperta tanto empresários produtores ou comerciantes quanto o grande público consumidor. Tratar da pobreza no mundo escancara a injustiça das desigualdades em cada um dos nossos países e no planeta, resultado infeliz de sistemas de produção, capital, trabalho, lucro, emprego, desemprego, fome. Tudo, educação, cultura, ciência, tecnologia, aparece no esforço de pensar a temática do desenvolvimento sustentável, nome e objeto da Conferência Rio+20.
As negociações exauriram esforços dos negociadores, dedicados, incansáveis, ignorando as belezas da orografia, do mar e da floresta que entorna o centro de conferências, território provisório das Nações Unidas, encravado em território brasileiro, para sobreviver em ambiente artificial magnificamente instalado no Riocentro.
Defendem seus interesses nacionais, 193 países elevados à potência “n”, línguas, maneiras de entender, comportamentos, cada palavra, uma vírgula, uma tradução imprecisa, tudo se mistura no desejo de cumprir instruções em nome de governos de diferente estrutura.
O grande momento culminará em dois dias com a reunião no mais alto nível, que provavelmente pouca oportunidade oferecerá para mudar substancialmente o que se obteve até agora como pré-documento final. Estão lá registrados os dados da questão.
Sim, o documento final não parece satisfatório, nasceu sem foco de um trabalho burocrático do Secretariado. O “rascunho zero” foi uma coletânea desequilibrada de opiniões pouco claras e temas em profusão. O engano inicial foi tomar tal texto como base para as negociações. Nas negociações preparatórias, não ocorreu recorrer a um trabalho de elaboração alternativa de novo texto, que mais simples e mais direto ocupasse as atenções com questões relevantes, mesmo que para apenas encaminhar [a] a elaboração das metas para o desenvolvimento sustentável, balizando-lhes as negociações futuras; [b] a consideração dos temas mais críticos, até certo ponto fáceis de identificar, para que constituíssem a base e o fundamento das metas por elaborar; [c] a reafirmação das Metas do Milênio e da Declaração do Rio, de 1992; [d] “last but not the least” a reconfirmação ou a revisão orientada da Agenda 21, o documento mais importante até hoje produzido para encaminhar o processo de desenvolvimento sustentável.
Já no Rio, delegados representaram as posições de seus governos diante do texto equivocado em um momento delicado da conjuntura internacional.
Fundo proposto pelos países emergentes
Desde sempre sabia-se que não haveria criação de um Fundo para a Promoção do Desenvolvimento Sustentável, uma ideia recorrente nos foros da ONU, quando se trata de meio ambiente e desenvolvimento. Como proposta formal, apareceu agora, por iniciativa do “Grupo dos 77″, que hoje congrega cerca de 130 países em desenvolvimento. Balão de ensaio, pressão negociadora, talvez, mas a ninguém ocorreu que pudesse ser no momento aprovada por consenso.
Um fundo para financiar o desenvolvimento sustentável teria sido bem-vindo, mas impraticável apesar do grande número de países que subscreveram a proposta. É fácil entender a realidade, pois os países que detêm recursos para contribuir para uma tal instituição são países desenvolvidos, cuja situação política ou econômica passa por crise talvez sem precedentes na Europa, que põe em risco a sobrevivência não apenas do acordo que criou o Euro, como moeda comum, mas a própria coesão da União Européia, no limite. Os Estados Unidos ainda mal sobrevivem à crise de sua economia iniciada há quatro anos, cumulativa agora com as eleições presidenciais. Japão ainda se reconstrói desde o tsunami que atingiu o país há pouco mais de um ano.
O quadro político-diplomático na Rio+20 não poderia ter sido menos propício para um avanço notável nas questões econômicas, ambientais e sociais com a perspectiva visionária [que desejamos] de questões  vitais para tornar um futuro nem tão distante mais ameno e menos crítico. Estas questões apenas são intratáveis nesta hora.
Ninguém ignora, nem mesmo os negociadores governamentais, quando recolhidos a sua consciência, a crise que se avizinha para 7 bilhões de seres humanos. Será cada vez mais difícil resolver os problemas da escassez dos bens que a natureza ainda oferece, mas os limites do planeta poderão negar 50 anos à frente.
Assinalei há dias o significado do Foro de Alto Nível a ser definido sob a Assembléia Geral das Nações Unidas com amplo mandato, capaz de seguir tanto as realizações de outras instituições internacionais quanto de Estados no campo do desenvolvimento sustentável, promovendo-lhes a necessária coerência. Sua tarefa é inovadora e bem-vinda, quando pode ser um instrumento criador de metas e novos caminhos, entre tarefas agudamente pertinentes. Se definido com propriedade, tal Foro poderá ser instrumento de trabalho valioso para desenvolver, a cada passo, soluções para os problemas que conhecemos e o documento elenca.
Metas para o desenvolvimento sustentável
Não esperei a definição imediata de metas para o desenvolvimento sustentável [MDS], tão exigidas e exigíveis. Defini-las exige tempo e pesquisa própria, para não errar na dose e na prescrição. Não haviam sido preparadas antes, sabíamos, mas são demandas necessárias, para dar foco à tarefa que temos pela frente. Metas certamente exigirão mudanças de paradigma para governos, empreendedores, sociedade civil e cada ser humano.
Por outro lado, metas existem, e estão perfeitamente enunciadas na Declaração do Rio e na Declaração do Milênio, reforçadas agora. Difícil retocá-las – necessário ainda alcançá-las. Metas para o desenvolvimento Sustentável [MDS] estão, entretanto, previstas, em prazo dado.
A falta de acordo sobre o que seja “economia verde”, no fundo, não é importante: não é uma categoria econômica, não é um conceito que se auto-explique. Traz, na sua imprecisão, indagações críticas para os países em desenvolvimento – tanto na questão da transferência de tecnologia (uma dificuldade historicamente crítica) quanto no que se refere à assistência financeira, para não mencionar o comércio internacional. Essa combinação muito bem achada de palavras pareceu-me apenas um instrumento, talvez válido, de “marketing”.
O que temos nos basta como método e instrumento de ações: desenvolvimento sustentável.
Eu diria que o conceito “pegou”, é de domínio público, e nenhum governante, economista ou empresário com poder de decisão importante tratará doravante apenas de falar em “desenvolvimento”. O desenvolvimento, que na história do jargão político foi uma alternativa a “progresso econômico”, hoje só é entendido se for sustentável, isto é, se nos garantir o usufruto dos bens do planeta sem perda da qualidade de seu usufruto continuado pelas gerações futuras.
Vivemos um grande momento, com declaração final satisfatória ou não.
O Rio de Janeiro ferve iniciativas, exposições, seminários, debates, passeatas, multiplica grupos étnicos, exotismos, cenários. O milagre da comunicação instantânea volta virtualmente os olhos e as mentes do ser humano onde se encontre, diante de uma tela de computador ou de televisão, para o que se passa aqui.
Não se trata, portanto, de considerar perdida a oportunidade da conferência: o enunciado das áreas críticas está feito e o fato de se encontrarem no Rio uma centena de Chefes de Estado e de governo terá impacto sobre ações futuras, tanto no plano dos países quanto no plano internacional, certamente no foro das Nações Unidas.
A mobilização da opinião é extraordinária e estou seguro de que a ação consciente da sociedade civil, em todos os níveis e planos de organização, é a partir da Rio+20 determinante de resultados.

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