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quinta-feira, 21 de junho de 2012

Entrevista à WWF [World Wildlife Foundation] para o livro publicado e distribuído durante a Rio+20.




[12 de junho de 2012]
 O Brasil recebe a Rio+20 com status de “potência da biodiversidade”. Obviamente, essa imagem tem a ver com a riqueza natural (distribuída em seis biomas) e a exuberância dessas paisagens. Mas além daquiloque o extenso território nacional guarda, o título de “potência” tem relação com a capacidade de preservar os recursos naturais.

Esse reconhecimento não é compulsório. Vem sendo construído há décadas, incluindo aí um grande esforço da diplomacia brasileira de, confirmando a soberania, mostrar aos demais países que é uma “potência” porque tem conhecimento sobre a floresta, possui marcos legais abrangentes de proteção e o Estado e a sociedade atuam em favor do uso sustentável do meio ambiente.

O embaixador Flávio Miragaia Perri, hoje aposentado, foi um dos diplomatas brasileiros que atuou diretamente na engenhosa construção desse status. Para isso, foi fundamental a realização da Rio 92, para a qual o diplomata atuou como secretário-executivo do grupo de trabalhonacional que organizou a conferência. 

Além disso, Perri presidiu o Ibama, foi Secretário Nacional do Meio Ambiente (logo após a Rio 92), e trabalhou como secretário de Estado do Meio Ambiente no Rio de Janeiro. Na entrevista a seguir, por escrito, o diplomata detalha como foi a organização daquela conferência e avalia as perspectivas da Rio+20.

O que o senhor fazia à época da Rio 92? Recorda-se de algumepisódio especial que marcou aquela conferência?
Vivi a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, de 1992, muito antes de vir a ser designado Secretário Executivo do Grupo de Trabalho Nacional encarregado de organizá-la. Nos anos precedentes atuei como Ministro Plenipotenciário [com pleno poder de representação diplomática] junto à Missão do Brasil junto às Nações Unidas e a questão da realização de uma conferência de alto nível estava posta no foro da ONU desde a apresentação do Relatório Brundtland, de 1987. O Brasil encontrava-se sob fogo cruzado das campanhas internacionais ambientalistas, que focavam a Amazônia e o estado dessa imensa floresta em grande parte sujeita à soberania nacional. A convocação da Rio 92, como posteriormente veio a ser conhecida a histórica reunião que reuniu 107 Chefes de Estado e delegados de todos os países membros das Nações Unidas, marcou-me profundamente, pois que todo o embate nas sessões da Assembleia Geral precedentes à decisão de eleger o Rio de Janeiro como sede envolvia trabalho diplomático ativo da equipe em que eu servia. Era Secretário-Geral das Relações Exteriores o Embaixador Paulo Tarso Flexa de Lima e Chefe da Missão junto à ONU o Embaixador Paulo Nogueira Batista, dois grandes nomes do Itamaraty que orientavam nossa atuação no caso. A decisão de oferecer o Rio como sede foi um grande momento para o país, no que se tornou o verdadeiro marco para profunda revisão de políticas e de instituições internas para ocupar-se do meio ambiente no país. 

Quais países tiveram participação mais destacada na Rio 92? Como foi a participação dos latino-americanos? 
Não participei da Delegação brasileira como negociador, encontrava-me no aceso das negociações. Entretanto, porque comandei a infraestrutura que deu apoio à Delegação e, nessa posição privilegiada, pude assistir à evolução dos fatos, inserido neles. Sem sombra de dúvida, o Brasil teve atuação destacada e a indicação de alguns nomes de negociadores basta para ilustrar esse pulso: Celso Lafer, Marcos Castrioto de Azambuja, Ronaldo Sardemberg, Bernardo Pericás, Rubens Ricúpero, Luiz Augusto de Araújo Castro, entre tantos outros, foram hábeis e criativos delegados pela parte brasileira, tanto no avanço quanto na defesa de interesses brasileiros. Foram importantes muitos países, difíceis de destacar, mas sem dúvida os nórdicos vieram bem preparados, ainda que com uma preocupação quase acadêmica em suas posições, mas traziam a tradição da Conferência de Estocolmo, de 1972. É evidente que a função coordenadora da OCDE teve relevância especial, mas entre seus membros a delegação norte-americana teve papel importante, até mesmo por suas posições mais conservadoras; os países da Europa Ocidental, entre os quais sobressaía a Alemanha recém-unificada, o Reino Unido e a França. Entre os países latino-americanos é relevante lembrar os países amazônicos reunidos sob o Tratado de Cooperação Amazônica [Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela], que naquele momento tinham interesses comuns a representar. Costa Rica, Chile, Argentina contavam com quadros negociadores experimentados e diplomacia ativa nas Nações Unidas.

Quais os principais legados da conferência Rio 92? 
A Declaração do Rio é documento lapidar pela precisão de conceitos. Seus 27 “Princípios” consolidaram o conceito do Desenvolvimento Sustentável. Deles destaco o mais candente dos princípios, pelas dimensões ética e econômica que o envolvem, o “Princípio Cinco” estabelecendo que 

“Todos os Estados e todas as pessoas deverão cooperar na tarefa essencial de erradicar a pobreza como requisito indispensável ao desenvolvimento sustentável, a fim de reduzir as disparidades nos níveis de vida e responder melhor às necessidades da maioria dos povos do mundo.” 

Dele derivam o combate à fome e os esforços de formulação de um “Direito à Alimentação”, estes como evolução jurídico-política significativa, anos depois. O Brasil tem uma história louvável de avanços nesse sentido e tem servido de parâmetro para programas de muitos países em desenvolvimento, especialmente africanos e centro-americanos.

A Convenção sobre Biodiversidade e a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança Climática foram passos importantes no caminho da proteção ambiental. O Protocolo de Quioto, como um subproduto da Convenção do Clima, não sofreu evolução satisfatória pela não adesão universal, Estados Unidos à frente da resistência contra o protocolo e ao controle de emissões que nele se previu, compromissos para a redução da emissão dos gases que agravam o efeito estufa, causa antropogênica do aquecimento global. A última conferência das partes não conseguiu definir a continuidade dos compromissos caducos em 2012, mas anteviu uma retomada de negociações, com metas de redução e/ou controle de emissões obrigatórias, em prazo certo.

A Agenda 21 foi o documento mais abrangente produzido na Rio 92, constituindo um programa de ação e um método de trabalho para concretização do ideal do desenvolvimento sustentável. A Agenda 21 não foi universalmente desenvolvida e aplicada, mas sem dúvida é o repositório mais completo de métodos de proteção ambiental, justiça social e eficiência econômica, em contexto de necessária e consciente participação da cidadania. 

Sua dimensão econômica e social abrange política internacional e políticas nacionais para aplicação do novo conceito do desenvolvimento sustentável, especialmente nos países em desenvolvimento no que se refere a estratégias de combate à miséria, enquanto envolvendo países desenvolvidos e em desenvolvimento encaminha mudanças nos padrões de produção e consumo. São significativas as sugestões de saúde pública e a qualidade dos assentamentos humanos. Aspecto, a meu ver, de delicada atualidade são os limites do planeta, que sem ser apontado dessa maneira, veem-se tratados, por exemplo, nas inter-relações entre sustentabilidade e dinâmica demográfica.

O equilíbrio de interesses entre o planeta e o desenvolvimento, buscado pelo conceito do desenvolvimento sustentável é tratado na Agenda 21 sob diferentes enfoques: proteção da atmosfera, transição energética, manejo do solo, recursos do mar, gestão dos recursos de água doce, combate ao desmatamento, desertificação, diversidade biológica, o valor da educação, etc. 

O documento não ignora, nas ações propostas, a importância dos mecanismos financeiros e a produção e oferta de tecnologias como suportes essenciais à gestão da sustentabilidade; o desenvolvimento da ciência e a educação, a cultura como elementos básicos na construção de uma consciência ambiental. Está nele, sob o enfoque das revisões institucionais internacionais e nacionais necessárias à consecução de um desenvolvimento sustentável, a problemática da formação de quadros para a gestão eficiente e a questão que hoje trabalhamos sob o título de governabilidade.

Sujeito a críticas por sua baixa operacionalidade, o Conselho de Desenvolvimento Sustentável [CDS] foi um produto sensível da Agenda 21, mas inadequadamente inserido no sistema das Nações Unidas e sem os poderes coordenadores que dele se esperavam.

A mais importante distinção, finalmente, entre 1992 e 2012, é a participação da opinião pública, o engajamento progressivamente mais importante dos cidadãos nesse debate, a consciência da importância do diálogo, onde a internet joga na linha de frente dos meios de comunicação. Em 1992, a despeito da importância da participação de organizações da sociedade civil, em encontro paralelo à reunião intergovernamental, não se podia sentir com precisão a pulsação do interesse do cidadão e da sociedade. Hoje, tudo remete à sociedade civil em plano destacado de importância e consideração. A Conferência Rio+20 realiza-se no Rio, mas envolverá o mundo inteiro, virtual e simultaneamente.

Entre as resoluções daquela conferência, alguma área não avançou? 
Não sou pessimista quanto a avanços, mas os entendo necessariamente demorados no plano internacional. Tenho mais dificuldade em entendê-los nos planos nacionais, porque as alavancas de poder encontram-se nas mãos de governos como instrumentos de ação política, econômica, social no seio dos Estados. 

O processo político não é, entretanto, linear.
A relação entre Estados segue ritualística de respeito ao princípio da soberania, o que exige tempo. Governos representam a vontade dos cidadãos segundo modelos jurídicos nacionais, consensos democráticos onde se pratique a democracia, identificação de interesses, etc. Têm a faculdade de determinar o quadro jurídico-político interno e podem naturalmente ser mais eficazes.
Quanto à não-realização de muitas das expectativas criadas em 1992, não podemos ignorar os interesses estabelecidos e sua contrariedade a paralisar ações. São fortes as resistências à mudança, tanto no plano nacional quanto no internacional, são distintos níveis de desenvolvimento, são inúmeros os desequilíbrios, são arraigadas as convicções ideológicas e diferenças culturais que impedem o entendimento e o avanço. 
Há que quebrar a força da inércia e os momentos de crise, como as que testemunhamos atualmente o desenrolar no hemisfério norte, de um lado e de outro do Atlântico, oferecem a oportunidade de mudança. A Conferência Rio+20 é, nesse sentido, propícia à criação. 

Qual deveria ser o principal resultado da Rio+20? 
A consciência da crise planetária do desenvolvimento, no modelo que vimos adotando, é a oportunidade que se oferece com essa grande conferência. Trata-se de ousar na constatação de que é tempo ainda de revisão dos paradigmas econômicos, sociais e políticos que têm orientado a ação humana sobre o planeta, esgotável em seus limites. 

Aplico aqui a máxima da urgência de “mudar para conservar” do “Gattopardo” de Lampeduza. Há que mudar para tornar sustentáveis tanto a economia quanto o planeta e a humanidade que nele fez casa e seu único ecossistema. 

Qual sua opinião sobre o texto base da Rio+20? 
O texto base não é um documento a que se deva criticar ou condenar. Trata-se apenas de um esboço preparado pelo Secretariado a partir de mais de 600 contribuições de diversas origens. Cabe aos Estados modificá-lo ou até mesmo ignorá-lo. 

Como compilação, não alcança o objetivo desejado, que seria sua capacidade de influir, por falta de impacto. Em todo caso posso adiantar a opinião de que lhe falta foco. 

Na realidade, repete temas e sugestões já exaustivamente tratados em documentos mais antigos e de melhor qualidade. O que não creio é que necessitemos de um texto que mimetize outros textos para apresentar-se em duas centenas de páginas, sem foco. 

Para esse conjunto de reivindicações por setores, que é como eu defino o texto base, não seria necessário um novo documento, mas bastaria reforçar o valor da exaustivamente estudada e bem formulada Agenda 21, que aborda todos os temas, trata de todos os setores, sugere métodos de trabalho, aponta linhas de ação e já existe! 

Por outro lado, a Declaração do Rio, a Declaração do Milênio e seus oito pontos centrais, valores e princípios, estão exaustivamente afirmados, mas nem sempre nem por todos aplicados.
A Conferência Rio+20 deve ser visionária. É a ocasião para reformular nossa visão de mundo e de futuro. Está nas mãos da liderança mundial que se faça representar no Rio em junho próximo, atuar como Estadistas e apontar os equívocos e erros dos modelos atualmente adotados de organização econômica, de ordem e prioridades sociais, de cuidados com os bens da natureza, por definição, finitos. 

É a hora de reconhecer os limites do planeta e a necessidade de pronta intervenção para mudar os rumos da civilização. 

Visionária na atitude, capaz de montar o cenário do futuro, caberia atuar com desprendimento diante dos modos impróprios e injustos de organização da riqueza no mundo atual. Sua ambição deveria passar pela mudança necessária de paradigmas, envolvendo os modos de apropriação e transformação dos bens da natureza, para garantir a sobrevivência estável do planeta no tempo e a dignidade da vida humana.
A Conferência pode e deve assumir a urgência da mudança e definir-lhe a rota, oferecer o caminho das pedras, para que a humanidade inteira, em todas as suas expressões e estamentos, assuma seu dever para com sua sobrevivência. 

É proibido desgastar o conceito de sustentabilidade. Com ele, pela primeira vez, acrescentamos valor ao entendimento do que seja desenvolvimento. 

Qual a viabilidade da estruturação da chamada “economia verde”? Uma ‘economia azul’ seria também importante?
Não parece oportuna a introdução de uma frase feita na evolução do conceito do desenvolvimento sustentável. O que não é bem definido pode dar consequência a equívocos, discriminações e restrições. “Economia Verde” não é uma categoria econômica conhecida nem entendo como possa ser enunciada como item de uma agenda ambiciosa para a Rio+20 sem perturbar a progressiva e mais eficiente aplicação do conceito de desenvolvimento sustentável. No que se pode entender da frase feita, a “economia verde” nunca seria um modelo de aplicação automática nem uniforme para todos os países. São distintas as características de sociedades e instituições em cada país, às quais caberia considerar suas metas e métodos de trabalho no seu processo de desenvolvimento sustentável. Se devêssemos inserir a frase feita como elemento desse conceito, suponho talvez admissível que essa denominação possa significar algumas metas a constituir parte do caminho. Não tratarei de cores, mas do conjunto delas que nos ilumine a sobrevivência.

Como setor empresarial e sociedade civil podem efetivamente se engajar e contribuir para a conservação ambiental e o desenvolvimento sustentável?
Não tenho a receita pronta sobre os modos de engajamento de cada setor da sociedade para a consecução do desenvolvimento sustentável, mas estou seguro em dizer que o engajamento de todos será essencial para o sucesso de nossa empreitada planetária. Tampouco evito afirmar que, a continuar no passo e no modelo que até hoje adotamos, soçobraremos. O planeta não sustentará a humanidade que o desafie na teimosa obra de depredação que vimos praticando. Mudança, coragem para mudar, novas rotas.

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