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segunda-feira, 5 de outubro de 2009

NOTAS DE VIAGEM II





FLORENÇA E A POESIA


Poesia é como o beijo
tudo aquilo que dos labios se deseja
[eu mesmo]


Não estou seguro de ser poeta, mas por alguma razão superior à própria razão escrevo o que tentativamente denominei poesia. Se me perguntam por que escolhi esse caminho, direi obviamente que não sei,mas talvez a busca da explicação leve-me à enorme preguiça de ser racional e logico naquilo que escrevo.

Houve a intervençao do sonho de que jamais me libertei mesmo nos peri’odos mais agitados de minha vida. Mas nao farei aqui como os franceses a falar de mim para explicar o que nao me pertence.

A metáfora ajuda-me a superar essa deficiência e a linguagem poética traz consigo um elemento de intuição que a lógica da prosa mal permite.

Difícil será entretanto definir poesia, o que não sei fazer exceto pela negativa: poesia não é prosa.

Sei que o som e o ritmo constituem elementos dela, mas se me restringisse a essas duas referências a confusão com a música impediria a precisão. Há entretanto pontos de identidade e convergência, quando música e poesia se comparam: ambas as criações buscam estimular a emoção e talvez só um musicista/compositor saiba dizer onde se encontra [em que melodia, em que acorde, em que harmonia?] o estímulo a traduzir-se em emoção. Muito depende do executante, de sua leitura dos símbolos musicais registrados no pentagrama e de suas almas.

Saberá o poeta trabalhar paralelamente a emoção ou também ele depende de seu intérprete?

Certamente sim, ambas as hipóteses são verdadeiras, pois palavras constituem sons e sua combinação na frase estabelece se não a melodia um solfejo, que entretanto não será jamais apenas literal, mas espiritual. Há uma percepção extra-sensorial no que o poema de versos livres deixa entrever para o entendimento e a sensibilidade do leitor. No poema escandido em rítmo pré-determinado, em sílabas e rimas, a musicalidade é mais evidente, mas tampouco resume o que escreve o autor.

Há um sopro externo, algo que alguns privilegiados buscarão entender misticamente e que a experiência vivida de cada leitor transfigurará talvez em percepção e sentimento.

Volto à negativa para afirmar que poesia não é música.

Há poesia em prosa, mas discuto que possamos encontrar prosa em poesia. O tom poético não admite intervenções práticas da razão objetiva e predomina o laço inconsútil com o sonho. Terá sido Borges quem recorda o filósofo chinês que sonhou ser uma borboleta e, desperto, não sabia dizer se sonhara ser uma borboleta ou se era a borboleta que sonhava ser um homem…

Inspirado em Borges, esse grande escritor argentino de precisões inglesas, direi que não tenho uma definição para o que seja o poema, mas sei reconhecê-lo à primeira vista, como nesse decassílabo do “Cancioneiro” de Fernando Pessoa que inclui os elementos mencionados, todos: o ritmo, a rima e o dom quase filosófico da poesia

“O sono – oh ilusão – o sono? Quem
Logrará esse vacuo ao qual aspira
A alma que de aspirar em vão delira
E já nem força para querer tem?”

O mesmo Poeta, sob o personagem Alberto Caieiro, dá-nos o exemplo seguinte da pura reflexão poética:

“E não estou alegre nem triste.
Esse é o destino dos versos.
Escrevi-os e devo mostrá-los a todos
Porque não posso fazer o contrário
Como a flor não pode esconder a cor, […]"

Diante do poema quedo-me perplexo porque nele encontro a mesma beleza que Florença me transmite. Pátria de Dante, aqui desabroxou a lingua italiana em terra Toscana, aqui Beatriz fez-se musa, aqui os reflexos metafísicos, talvez místicos e religiosos, tornaram-se guia para a obra definitiva de Dante. A Divina Comédia magistralmente todos inclui dos elementos que busquei para definir o poema. Estive lá ontem, na Casa de Dante, e não pude esconder minha emoção ao sentir-me parte desse estupendo sonho de viver.

E, por falar em poesia, porque não terminar com Petrarca e uma pálida reflexão minha sobre a vida?


GIOCOFORZA
"O faticosa vita, o dolce errore,che mi fate ir cercando piagge et monti!"
[Petrarca]
Oh! Vida tão inutilmente perdida,que nos condena a vê-la repetida e inapelavelmente desaparecer!
[Perri]
Florença, outubro de 2009.

Um comentário:

  1. Só descobri agora o Vagaprosa, Flávio. Muito bom!

    Também vivo me questionando se o que escrevo é mesmo poesia e sobre o que seja realmente a poesia. Mas você disse aqui uma coisa muito interessante: "a preguiça de ser racional e logico", talvez esteja aí, a explicação do porque da poesia. Então o poeta seria um preguiçoso, irracional, ilógico e musical. É uma possibilidade. Muito coerente por sinal. Se bem que a melhor definição que li utimamente sobre poesia seja do seu "eu mesmo" lá em cima. (risos)

    Ainda sonho em conhecer a Toscana, terra dos meus antepassados. Dante Alighieri era idolatrado na minha casa. Tenho um exemplar belíssimo da Divina Comédia, que herdei do "nonno".

    Abraços.

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