Total de visualizações de página

sábado, 7 de agosto de 2010

PRESSENTIMENTO




A noite ainda era parda quando saltou da cama. Nada tinha a fazer, rolava sem sono, os lençóis esquentavam-lhe o corpo velho numa madrugada quente. Dentro de casa a calefação que o consumia; lá fora, frio, mas por dentro bem dentro o calor era insuportável.

A rapidez com que saltou da cama desmentia sua idade. Um homem de 60 anos. Sentia um calor que não lhe lembrara a luxúria nem os momentos de tensão que precedem a rapidez do orgasmo. O ir e vir compassado, de repente acelerado, era a lembrança mais próxima do sexo sem duração. Um calor sem razão, um calor talvez sufocante, respiração sem ar que lhe tomara o sono.

Restava-lhe ficar inerte sobre o colchão que se amoldara ao corpo.

Lembrou-se de seus tempos de menino, quem sabe nos quinze anos, talvez menos, e soletrou a palavra-chave – pu nhe ta.

Era isso!

Sua vida tornara-se uma punheta sem razão e as noites já não a encurtavam mas alongavam a masturbação sem gozo e sem mulher. O pênis inflado pelo contato das mãos daqueles tempos já nem mais duro tranformara-se naquela goma molenga pendurada no vão das pernas sem razão de ser.

É o penis é como apêndice que supurado é declarado inútil e nenhuma falta faz. Nem para mijar. Mulher não mija sentada? Talvez fosse essa sua melhor idéia. Passaria a mijar sentado.

Entre mijar sentado a velhice do pênis inútil e o calor da noite divagou concordando e discordando de si mesmo. Estava sem sono e nem mais a punheta dos quatorze anos valeria a pena bater com o pau mole.

Lembrou-se do Poeta que lhe encantara a vida, lido aos pedaços, sem ordem nem lógica, mas perfeito na sua visão do mundo. Coincidira com Ele no positivo e no negativo e como Ele variava de personalidade conforme os ventos e humores.

“Às vezes em dias de luz perfeita e exata/ em que as coisas têm toda a realidade que podem ter,/ pergunto a mim mesmo devagar/ por que sequer atribuo eu/ beleza às coisas.”

É isso, a ausência do sentimento da beleza que o atormentara enquanto dormia – ou fingia que dormia. Todo o calor que lhe esquentara por dentro e que parecia esquentar a casa e lhe tirara o sono tinha essa origem: a ausência de beleza da vida como lhe transcorria nos anos recentes. A punheta recordada era a metáfora mais adequada a descrever seu estado de espírito. Tudo era uma punheta sem outro socorro senão manejar exasperadamente o pênis com o movimento dos braços cansados e doloridos. Mijar sentado havia sido a melhor lembrança do que se transformara no passar do anos a matrona sem virilidade e gorda contraditória com a imagem remota do homem de anos antes que esbanjara força.

O que é o mundo sem beleza? A mera realidade ôca das coisas distribuídas no espaço? Beleza tem cor pensou e o mundo é cinza! É preciso nada saber de alma sentimentos emoções alegrias e tristezas que são conceitos da imaginação para entender o que não é beleza. Tudo tornara-se inútil e fútil onde não existia mais o êxtase da apreciação do belo. Não precisava mais dormir nem acordar.

O ponto morto desse desencanto tinha tudo a ver com seu fracasso nada dera certo tudo se complicara no passar dos anos e o fim deles não lhe reservara nenhuma glória nem a mais mínima satisfação diante de artificiais desafios. Merda!

Foi ao fundo de sua divagação perguntando-se sobre a continuidade de tudo e a validade de nada. Como um zumbi despossuido da alma interrompeu tudo e deixou de sentir.

Londres, fevereiro de 2007.







Nenhum comentário:

Postar um comentário