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terça-feira, 1 de maio de 2012

A CONFERÊNCIA DO RIO E A ERRADICAÇÃO DA MISÉRIA E DA FOME


A Conferência Rio+5 e a erradicação da miséria e da fome.
[janeiro de 2012]

O Rio de Janeiro sediará em junho próximo a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável [Rio+20], convocada no mais alto nível para celebrar os 20 anos da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, ocorrida em 1992.
Tenho procurado demonstrar em artigos que venho escrevendo para a excelente revista ECORIO 21 que o encontro de junho no Rio Centro terá por centro de interesse o conceito de desenvolvimento sustentável enunciado pela primeira vez no Relatório Brundtland, em 1987, e consagrado a Conferência do Rio, em 1992.
Entendo que a comunidade internacional buscará na ocasião repensar o modelo de desenvolvimento que temos adotado quase universalmente, para enunciar formas e modos de encontrar o equilíbrio necessário entre necessidades humanas e o uso dos bens naturais, garantindo ao ser humano a dignidade perdida nas desigualdades e elevando o planeta e os bens da natureza, desgastados nos processos de produção, a valores a serem incorporados na contabilidade da produção e do consumo.
Trata-se de eliminar tanto a erosão e perda dos bens naturais quanto de sustentar o nível de desenvolvimento que ofereça ao ser humano conforto e dignidade. Ainda que tenha o ser humano como centro, a comunidade internacional não descuidará de questões que envolvam o planeta, como o tema do aquecimento global, nem da emergência ética de pensar nos outros seres vivos, que não o homem e a mulher, mas todos os que garantem o equilíbrio do sistema planetário em sua biodiversidade.  
É notável o destaque dado na agenda ao combate à miséria. Esse é tema universal, traz nobre inspiração e desdobramentos de ordem ética, é verdade, mas entra na agenda da Conferência pelo clamor das desigualdades que expõe. Não se escondam entretanto seus efeitos de viés econômico: a recuperação do ser humano de uma situação de miséria reintegra-o na sociedade tornando-o também um agente econômico.
Sob a ideia de sustentabilidade está, portanto, a premissa de entender o desenvolvimento como um processo de natureza econômica, sem lhe dar alcunhas, a exigir medidas e/ou correções de distorções de seu atual estágio. Trata de aprofundar e ampliar o alcance da ideia de sustentabilidade, como garante da continuidade do desenvolvimento em formas mais justas. O social e o ambiental compõem esse entendimento de justiça.

Há na origem do conceito do desenvolvimento sustentável uma original proposição ética, envolvendo uma responsabilidade intergeneracional, isto é, o aproveitamento que a humanidade fizesse em qualquer tempo dos bens naturais, “para atender às necessidades do presente” não deveria comprometer “a capacidade das gerações futuras de atenderem às suas próprias necessidades”.

Nesse contexto, seria presunção tentar enumerar os problemas que afetam a humanidade ou os males agudos do planeta, mas estou convencido de que a pobreza e a fome são os primeiros.  Não por acaso foram exaustivamente enunciados tanto nos princípios da Declaração do Rio, de 1992, quanto nos Objetivos do Milênio [ODMs], no ano 2000.
 São problemas estruturais.
A fome é a ponta mais aguda da pobreza extrema e atinge cerca de 1.2 bilhões de pessoas, em números crescentes. Percebemos que há algo equivocado no modelo adotado em todo mundo, hoje em sua etapa talvez mais dramática, que é a globalização agravada pelas crises do mundo desenvolvido, de um lado e de outro do Atlântico.
Para nos resumirmos ao essencial, no antropocentrismo talvez egoísta e excludente, o homem teria nascido e povoado a Terra para conquistar a natureza e dela produzir riquezas sobre riquezas voltado para a mediocridade do exclusivismo da meta de garantir, no instante, seu bem-estar.
É obscurecida a ideia mais que verdadeira de que os insumos que produzem o desenvolvimento são bens naturais, pertencentes tanto à humanidade, que com eles deve conviver harmonicamente em todas as épocas, quanto ao próprio planeta que se deve preservar para garantir o próprio desenvolvimento.
A meta exclusivamente antropocêntrica submete-se à ideia do progresso, que é buscado em horizonte sem limites. A racionalização da produção ignorou os efeitos perversos que engendra se aplicada mecanicamente, sem a preocupação de conhecer seus efeitos sociais, por exemplo, na produção industrial ou agrícola de alimentos em larga escala [e seu comércio], que têm por fundamento apenas a eficiência no mercado. 

 A função primordial da racionalização acaba sendo apenas a acumulação de riqueza expressa em valores financeiros ou monetários. É garantida pela posse de bens materiais. Nesse quadro, o sistema ignorou o futuro e deixou atrás o sentido do bem-estar original, que seria inicialmente satisfazer necessidades humanas básicas em todos os tempos, entre as quais está a alimentação como condição essencial à vida. Ignorou-se nele também a necessidade de respeitar os processos que envolvem o equilíbrio necessário à sobrevivência do planeta como conjunto equilibrado de seres vivos e fonte de insumos que produzem o desenvolvimento.
O homem é reduzido a consumidor e já não produz o que lhe é essencial, mas trabalha para realizar uma eficiência impessoal, sem objeto.
Trata-se de um jogo de permanente perda, em que o alimento passa a ser um produto posto no mercado como outro qualquer, sujeito a regras que nada têm a ver com sua razão de ser original. 

Serei talvez verdadeiro se disser que o processo de desenvolvimento resultante majoritário na sociedade planetária atual traz defeitos graves de concepção.
Socorro-me de Norberto Bobbio, o grande pensador italiano, um insatisfeito tanto do capitalismo arrogante quanto de um socialismo incapaz de realizar suas promessas. Discute em sua obra o problema da desigualdade não resolvido pelos modelos teóricos,  de que trata nos ensaios recolhidos em “Utopia Capovolta” (Utopia Subvertida) e que permanece “em toda sua gravidade e insuportabilidade” na questão social interna de Estados singulares e dramatiza-se nas relações internacionais que opõem a sociedade dos dois terços (a do mundo desenvolvido) às sociedades dos “quatro-quintos ou dos nove-décimos”, onde a realidade não é a abundância, mas a miséria.
Para tentar fazer entender o sentido do desenvolvimento sustentável e sua relação com a miséria e a fome, gostaria de assinalar como premissa que a fome não é apenas uma questão humanitária. O debate deve trilhar dois caminhos, um [1] primeiro, imediato, de motivações éticas, limitado “aos que têm fome e têm pressa”(Betinho), e um [2] segundo, mediato, que toca a mudanças estruturais necessárias e coloca o combate à fome e à miséria como um capítulo dramático do processo de desenvolvimento, enquanto corrige um problema ético e eleva o destituído, aquele que é vítima da miséria, a agente econômico.
Tal como o fez o Princípio Quinto da Declaração do Rio e a Primeira das Metas do Milênio, na Declaração do Milênio, a Conferência Rio+20 elege os contextos do “desenvolvimento sustentável e erradicação da pobreza” como centrais a suas deliberações. A fome [ou a garantia à segurança nutricional] é capítulo conceitualmente central na questão da erradicação da miséria.
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Flávio Miragaia Perri é Embaixador aposentado, foi Secretário Executivo do Grupo de Trabalho Nacional que organizou a Conferência do Rio em 1992, Secretário Nacional do Meio Ambiente [hoje Ministro], Presidente do Ibama, Secretário de Estado do Meio Ambiente no Rio de Janeiro.                                                                                         

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