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quinta-feira, 17 de setembro de 2009

POUCO IMPORTA



reflexões à vista de um rapaz autista


O jovem Lucas de olhar fixo no espaço aparentemente nada vê.

Pouco importa.

A esperança é fabricação da consciência, produto da inteligência, reflete um sentimento. É substantivo abstrato que se produz para o homem que se acredita criatura de Deus.

Diante do jovem não encontro muito o que dizer.

Pouco importa o que vê, pois o cenário passou e em nada contribuiu para uma decisão final, que lhe escapa na ultrapassagem do material para o imaterial.

Seu olhar opaco feito de estanho fixa-se no nada e entretém o tempo que insiste em passar.

Sentado quase imóvel diante da paisagem em movimento, o jovem estala os dedos e ouve o som distante do estalido que nada diz. Apenas mais um cacoete de viver.

Não se entende nem busca entender, deixa os fatos de fora e mergulha em si mesmo, incomodado sem o demonstrar.

Nada importa do que é ou que não é, daquilo que palavras tentam descrever sem confundir o real com o inteligível. O significado delas ninguém sabe, mas talvez sejam a representação do que entende [ou desentende?] a inteligência.

Provavelmente sabe que um dia até mesmo essa despercepção perecerá e o relógio de nada vale para contar o tempo.

Sente-se parte do espaço, como corpo que ocupa um volume, mais nada. O tempo não lhe pertence, o passado foi breve, breve demais divagará por um instante: o presente nunca existiu intangivel por natureza, ficção do que se destina a ser passado instantaneamente.

E o futuro, se nada pode prever, o que de fato é? Incomoda-o sem molestar o momento da ultrapassagem que tornará o futuro passado.

A memória é prerrogativa do cérebro que labora sobre sinapses jamais entendidas ou suficientemente explicadas na produção da inteligência, da consciência, da memória, da sensibilidade, da emoção.

Tudo passa e desfaz-se quando o concreto se desconcretiza.

Lucas olha sem olhar enquanto tento comunicar-me falando-lhe de Deus e da esperança. Sinto que ouve sem ouvir o que lhe parece improvável.

O lago seco de seus olhos mal reflete a luz, no que parece dizer “não tarda nada sermos”…”

“Isto pensado”, na voz poeta, “me de a mente absorve/ todos mais pensamentos”…

Refaço-me do susto de escutar o que não me é dito, mas retenho a idéia para contrariar-me.

Ressuscito a dúvida que me repete sou ou não sou? Se o "em breve nada serei" transforma-se no centro de meus pensamentos, então o nada ser resume a vida no seu lapso.

Embaralho idéias e confundo-me comigo em meio a “ermos astros afastados” ao qual nos acrescentamos.

Lucas permanece imóvel a estalar os dedos. Pergunto-me: “conheci-o antes, vi-o agora?” Tanto faz, tudo repete-se.

Rememoro o homem e a vida como a concebemos no movimento sem retorno do começo ao fim:

Um feto estrangulado pelo cordão umbelical que o liga à mãe depois da corrida acelerada do espermatozóide a encontrar o óvulo, o primeiro berro que inadvertidamente deslembra no desasossego inconsciente do impacto dos sons, toques e calores de seus primeiros momentos, seguido da consciência que o atordoa na compreensão do mundo.

Um jovem onde a tristeza – como antítese da alegria -- domina o gesto inexistente.

Sexo.

Recordo amores e o explodir do gozo no instinto que ilude, obrigando-me a fechar o foco sobre o que é mais sensível e está mais próximo.

A vida fundada nos “petits faits”, como um regime dietético alimentado pela objetividade e compaixão do instante.

Pouco, muito pouco.

A síntese o levou a sentar-se calado diante da paisagem que se move, a única a mover-se além dos dedos que estalam o estalido seco da compreensão ou da incompreensão, débil como o hálito hesitante de um moribundo a resistir ao último momento.

A visão da pequena história agride-me a compreensão dos dias e o decurso falso, que o jovem amadurece.

Teria trinta anos e retirara-se para esse seu “contacto” com a desmemória de olhar opaco no silêncio sem eco de suas reflexões incomunicadas, na renúncia dos instintos que resultam apenas no estalar dos dedos e no estalido seco.

Pouco importa.

19 de março de 2006.


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