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quinta-feira, 17 de setembro de 2009

SOLIDÃO


De um diálogo na NET:

- Cara, tô triste hj.

- Pq, vai passear. Caminhar faz bem.

- Dxa prá lá…

- Ânimo!

- Pra que serve viver, eu num sei mais, tô com vontade de gritar!

Chegou-se à porta e hesitou. Não saíra ainda e fazia sol. Voltou ao quarto, trocou a camisa por uma camiseta, tirou as meias, vestiu os sapatos leves de pés nus, tirou instintivamente o relógio do pulso e deixou-se embalar pelo calor úmido do verão, elevador abaixo, ao encontro da multidão. As ruas cheias embaralharam idéias e o princípio, que era uma caminhada, tornou-se atenção à gente que passava.

Um homem branco passeava o cão, conduzido pela sucessão de postes e troncos de árvores tristes. Nada haveria a pensar, se o outro não o olhasse.

- “Porque olhou-me? O que desejaria? Conhecia-me? Desatendeu o cão para atentar…Curioso, tinha um ar inquisitivo. Estaria ali por acaso, o cachorro serviria de disfarce para seu segredo? Estranho…”

A cabeça transtornou-se em turbilhão. Não lhe era fácil sobreviver, vivia intensamente sua solidão. Pensou que sentia um calafrio, cruzou as mãos sobre os braços nus da camiseta, tiritou.

Porque saíra? Para ser visto, expor-se? Questionou-se, mas não insistiu. Já estava na rua e na rua ficaria. Caminhou e teve a sensação de que se dirigia a um lugar certo, um pouco mais adiante, mas na dúvida parou e perguntou ao jornaleiro se chovia.

O jornaleiro olhou-o ressabiado, esboçou um sorriso sem malícia, organizou duas revistas sobre a banca, trocou dinheiro para um homem que passava, respondeu ao outro que o jogo do dia não era no Maracanã, mal o atendeu e tascou:

- Que chuva, cara? Faz sol!

Um pouco desconcertado, continuou a caminhada e sentiu calor, um calor úmido que lhe melava os braços e as dobras jovens do pescoço.

As pessoas a seu lado caminhavam em duas direções, depois percebeu que alguém o seguia, tentou olhar com medo, parou diante de uma vitrine sem interesse, para sentir. Os passos ritmaram-se lentamente e não percebeu de onde vinham, mas pressentiu atrás. A vitrina reluzia e refletia, tentou fazê-la espelho e viu pessoas sem identificação. Esperou.

Sentia um mal-estar indefinido que não era físico, refletiu sobre a companheira jovem e sua incapacidade de dialogar. Estavam juntos mas não conversavam, falavam sobre fatos, coisas sem importância, conduzidos pelo que se passava fora e nada dentro. Concluiu rapidamente, sem muito raciocinar, que a vida transcorria externa e que dentro havia forma de loucura de quem supunha pensar. Se pensasse, sentiria. Seria mesmo necessário sentir quando tudo se passava repetido cada dia, o sol a girar no dia e noite já monótono e um claro-escuro intermediário que lhe tomava a alma?

Pensou na alma como algo abstrato dos que tentavam ser poetas na linguagem do irreal. Nunca lhe passou pela cabeça que a alma fosse entidade de uso religioso ou que existisse independente, uma espécie de vida fora da vida, permanente, sensível, coerente… Não, não era essa a alma a que se referia. Sua alma era metáfora vazia de algo que estava dentro, como um pensamento.

Desconcertou-se com o número de pessoas paradas atrás de si e retomou o passo, mais rápido para seguir à frente sem ser interrompido nem por transeuntes nem por sua cabeça contraditória. Os passos continuaram a seguí-lo e o ritmo deles acentuava-se mais rápido quando acelerava, cadenciavam, quando cadenciava. Parou rispidamente consigo mesmo e os passos continuaram.

“Que alívio!”.

Mudou de direção e atravessou a rua. Um carro passou rente, assustou-o distraído,

“Epa! Quase me pegaram!”

Ouviu a melodia que soava de uma loja em uma galeria. Os sons pareceram conhecidos e ouviu o que soou como um bolero. Sentiu uma vontade estranha, sem vontade engoliu em seco e fugiu no meio de homens e mulheres, deixando-se, o si mesmo, para trás. Um ruído de passos voltou a assustar. Havia alguém. Parou e esperou.

Uma percepção de que estava sitiado e a caminhada não continuaria. Nada o motivava, isolado no lugar onde ficou. Perdido no labirinto íntimo, recuou, encostou-se à parede para sentir a solidez da pedra, equilibrou-se.

Em instante o sangue subiu às faces e enrubesceu. Um calor interno o afogueava enquanto os olhos pareciam injetados, vendo só dentro o que fora recusava. Os batimentos cardíacos acelerados, um bater forte no centro do peito, angustiante porque seguiu cada batida e perdeu-se no sentido de sentí-las. Fervia-lhe no sangue a revolta contra a vida que exuberava fora.

“O que é o mundo? A vida? A quem pertende a vida, à natureza em seu ritmo incessantemente renovado, repetido, ou a cada um, isolado na solidão íntima sem sentido? Dentro ou fora, a vida não tem sentido”, concluiu.

O mistério acentuou sua angústia, interrompendo a caminhada, mas o que o aborrecia mesmo era a idéia da morte. Se não havia sentido viver a vida, o que dizer da morte, o fim de tudo, o nada absoluto? Um buraco negro fingindo eternidade?

Caminhou lento, sem destino, ouvindo ainda a melodia triste e vaga que o embalava.

Persignou-se à porta da igreja, rezou pela morte e pela vida, mas arrependeu-se, desfez tudo três vezes, perguntou-se se Deus era feliz e calou-se. Sentiu que nem era feliz nem infeliz, era quem era, estava aquém de qualquer deus, um homem abandonado em meio a outros num planeta sem destino no meio do universo..

Nada importa, tudo se repete, a igreja, a vitrine dos vultos que o perseguem, o cachorro dos postes e troncos, o laço que o inibe, o homem branco. Deuses não são nada, são produto da imaginação, vivem na ficção de seus olimpos.

Numa confusão, acreditou na exasperação, muito mais do que na esperança, palavra sem vida própria. Pensou que sonhava um sonho de viver. Era hora de acordar.

Angústia a estreitar seu peito, nenhum ar, sufocamento...

Ouviu um grito! Um grito alucinante penetrou-lhe os sentidos e assustou-se. De onde, o grito agudo? Quem gritara? O som estridente alucinou-o por intantes, mais longo do que o suportável. Olhou em torno e nada acontecera. Era a caminhada de todos descobrindo seus caminhos e ele interrompido por um grito! Alguém ouvira? Ah! o horror de ser único e só a si o grito pertencer… gelou-lhe o sangue a singularização, sem propósito sem razão e veio o medo.

A caminhada interminável seguia o rumo de si mesma. As esquinas eram tantas! Seguir à frente, à esquerda ou à direita? Os passos cessaram e o homem branco de olhos fitos nele, o cachorro descuidado e o bolero desfilavam na cabeça atormentada. Um pavor de tudo tomou-o como névoa, impedindo-o de ser.

Sentou-se à beira da rua e segurou a testa com as mãos. Chorou copiosamente.


Gritou!

março de 2004




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